São Paulo, terça-feira, 16 de setembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Planos de saúde 10 anos depois

JANUARIO MONTONE


A regulamentação dos planos de saúde em 1998 mudou radicalmente o modelo de negócio do setor. Mudou para melhor

A LEI dos Planos de Saúde está completando dez anos. Aprovada em junho de 1998, marcou o começo do fim da selvageria que imperava no mercado de planos de saúde. Era um mercado sem credibilidade, marcado por verdadeiras arapucas que tomavam o dinheiro dos incautos, vendendo uma falsa proteção à saúde, chegando ao estelionato puro e simples das que fechavam as portas antes de terminar os longos períodos de carência dos planos vendidos.
O modelo de negócio era predatório. O produto plano de saúde não tinha padrão. Cada empresa definia o seu, escolhendo o que e quando atender e, principalmente, o que não atender. Na prática, a maioria dos exames, procedimentos e cirurgias mais complexos eram excluídos da cobertura.
Chegava-se ao absurdo de excluir doenças, sobretudo as "preexistentes". A qualquer tempo a empresa podia alegar que o usuário já sofria daquela doença antes de adquirir o plano e negar-lhe cobertura. O usuário que provasse o contrário.
A empresa também podia simplesmente recusar um usuário. As mensalidades eram reajustadas várias vezes por ano, pois, além da "reposição da inflação", reajustava-se livremente por "desequilíbrio econômico-financeiro" -apurado pela empresa, é claro-, além do reajuste por faixa etária.
Em alguns planos, a "faixa etária" era de um ano, e a mensalidade da última faixa, 30 vezes maior que a primeira.
Finalmente, a empresa podia simplesmente romper os contratos a qualquer tempo e sem explicações.
Inclusive às vésperas do cumprimento dos enormes prazos de carência. O grau de selvageria era variável, mas o modelo era esse, mesmo para o segmento de planos coletivos empresariais, em que a competição mais acirrada resultava em carências menores e coberturas maiores.
A regulamentação dos planos de saúde em 1998 mudou radicalmente o modelo de negócio do setor. Mudou para melhor e a favor dos usuários.
Hoje, as operadoras de planos de assistência à saúde precisam de autorização para se instalar e funcionar.
Autorização que depende do atendimento das exigências da legislação.
A lei define o que é um plano de saúde e proíbe a exclusão de qualquer doença. A cobertura é integral, abrangendo todos os procedimentos médicos, ambulatoriais, hospitalares e cirúrgicos. Hemodiálises, cirurgias cardíacas e tratamentos de câncer tornaram-se de cobertura obrigatória. A exceção são os transplantes, cuja inclusão é progressiva. Começou com rim e córnea e já inclui de medula.
Para a maioria dos procedimentos, a carência é de 30 dias, mas não passa de seis meses mesmo para os mais complexos. As doenças e lesões preexistentes, antes excluídas indefinidamente, têm a carência limitada em dois anos -e só para procedimentos de alta complexidade.
Proibiu a seleção de risco pela recusa de certos usuários e o rompimento unilateral dos contratos. O reajuste das mensalidades é controlado, o por desequilíbrio foi proibido, e o por faixa etária, limitado -a última faixa não pode exceder seis vezes a inicial.
A implementação de fato da Lei dos Planos de Saúde começou em 2000, com a criação da ANS, única agência reguladora criada para um setor em que o governo federal nunca tinha atuado. As informações sobre esse mercado simplesmente não existiam e toda a regulamentação teve que ser construída caso a caso. A ANS hoje tem o cadastro de todos os usuários de planos de saúde e eles chegam a 40 milhões. Ela sabe que o setor teve uma receita de R$ 46 bilhões em 2007. As operadoras são fiscalizadas de forma sistemática e o usuário tem as informações e os canais de denuncia mais ágeis à sua disposição, como o Disque ANS e outros instrumentos.
Evidente que ainda há um longo caminho a percorrer, mas a selva foi vencida há muito tempo. No Procon-SP, as reclamações do setor caíram de 20% em 2000 para 2,8% em 2007.
Entre os desafios, a relação ambígua com o SUS, agravada por um modelo de ressarcimento que não deu certo. Entre 2000 e 2006, o SUS recebeu de volta só R$ 78 milhões de mais de R$ 1 bilhão identificados pelo atendimento de usuários de planos de saúde. O mais importante, porém, é que, nesse período, a receita do setor, de R$ 184 bilhões, foi igual ao orçamento do Ministério da Saúde.
Outro desafio é implantar a assistência farmacêutica. Os medicamentos prescritos para tratamento são de inteira responsabilidade do usuário.
O impacto disso é imenso para eles e para o SUS. Só no programa de medicamentos gratuitos da Prefeitura de São Paulo, 40% dos 1,6 milhões de receitas médicas atendidas por mês são de usuários de planos de saúde.
Há muito o que comemorar nesses dez anos da Lei dos Planos de Saúde e oito anos de ANS. Também ainda há muito o que avançar.


JANUARIO MONTONE é secretário da Saúde da cidade de São Paulo. Foi o primeiro diretor-presidente da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

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