São Paulo, quarta-feira, 16 de setembro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES


O direito de aprender em primeiro lugar

ANTONIO MATIAS


Duas publicações lançadas há pouco no Brasil analisam medidas que elevaram o patamar da educação em Cuba e em Nova York


APESAR DAS limitações orçamentárias e estruturais encontradas no Brasil, é vasto o espaço de atuação a ser explorado na construção de alternativas que superem os entraves à educação de qualidade.
Nesse contexto, tão importante quanto a busca de informações sobre a realidade próxima é conhecer experiências dentro e fora do país. Para gestores públicos, empresários, acadêmicos e organizações interessados em contribuir com esse objetivo, é importante explorar as dificuldades e as potencialidades do cenário brasileiro com o intuito de aperfeiçoar a capacidade de planejamento e de condução da política educacional, considerando as necessidades das comunidades.
Duas publicações lançadas recentemente no Brasil analisam medidas que elevaram o patamar da educação em Cuba e em Nova York, localidades com características socioeconômicas, políticas e culturais amplamente diversas, e trazem novos elementos para a discussão desse tema.
O acompanhamento sistemático do trabalho do professor em sala de aula, o desenvolvimento de sistemas de avaliação que possibilitem mensurar sua eficácia e o estabelecimento de um mesmo parâmetro curricular básico em todas as escolas da rede compõem o elo que se estabelece entre os dois sistemas de ensino.
O estudo "A Reforma Educacional de Nova York: Possibilidades para o Brasil", publicado pela Fundação Itaú Social e pelo Instituto Fernand Braudel, traz uma reflexão sobre a importância de colocar no foco das políticas educacionais o direito de aprender de crianças e adolescentes.
Essa decisão estratégica desencadeou uma série de mudanças sistêmicas na gestão municipal nova-iorquina, o que elevou substancialmente o aprendizado dos alunos.
A responsabilização dos gestores, diretores e professores pelos resultados no aprendizado e a implantação de sistemas de avaliação eficientes, associados à autonomia administrativa das escolas, viabilizaram a formação de lideranças que priorizam aprendizado, em detrimento dos interesses corporativos, com resultados visíveis.
Em 2009, 82% dos alunos de terceira e oitava séries atingiram os padrões estaduais adequados de desempenho em matemática, comparados com somente 57% em 2006. O deficit de desempenho entre estudantes negros e brancos também diminuiu, de 31%, em 2006, para 17%, em 2009.
Em "A Vantagem Acadêmica de Cuba", estudo do pesquisador Martin Carnoy, patrocinado pela Fundação Lemann, investigam-se diferenciais das escolas cubanas que levam seus alunos a ter um desempenho superior ao dos brasileiros.
Mais de 50% dos alunos cubanos conseguem resolver problemas complexos de matemática, ao passo que apenas 10% deles atingem o nível mais avançado de proficiência matemática no Brasil, de acordo com o Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação (Llece), coordenado pela Unesco.
O contraponto cubano surpreende ao colocar em xeque o argumento recorrente de que as condições socioeconômicas são o único determinante para o deficit no aprendizado.
Algumas das respostas encontradas, como a permanência na escola por um período mais extenso e a supervisão ao trabalho do professor em sala de aula, remetem a ações similares desenvolvidas em Nova York com os mesmos resultados positivos.
Ao analisar tais experiências, não se deve, contudo, ignorar as diferenças de cada país. Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, por exemplo, o gasto anual por aluno do ensino médio nos EUA foi de US$ 10.468 em 2004, contra apenas US$ 801 no Brasil. O trabalho infantil fora de casa é praticamente inexistente em Cuba, em vivo contraste com outros países, como observa Carnoy em uma de suas análises.
Não se trata, portanto, de importar modelos de outros países, mas de aproveitar seus aprendizados para desenvolver soluções criativas que respondam às necessidades da sociedade brasileira.
Reconhecemos que nenhum progresso será efetivo e terá seu efeito multiplicado sem envolvimento da rede pública e dos vários atores sociais. É também imprescindível constituir programas e projetos resistentes a mudanças de gestão, pois um dos principais problemas das secretarias da Educação é justamente a falta de continuidade das políticas públicas.
As lições de Cuba e de Nova York indicam que há caminhos possíveis para reverter índices de aprendizagem deficientes se houver o comprometimento de todos numa única direção: a garantia do aprendizado de todas as crianças.


ANTONIO MATIAS , 63, é vice-presidente da Fundação Itaú Social.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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