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TENDÊNCIAS/DEBATES
É boa a idéia de criar uma Justiça Agrária?
SIM
Muletas agrárias
RAUL JUNGMANN
As varas agrárias são uma necessidade e uma dívida. Necessidade
posto que, teoricamente, ajudarão a
acelerar nossa lenta reforma agrária, o
que deverá se refletir na redução dos
conflitos. Dívida -histórica, diga-se-
dado que previstas desde quando o regime autoritário trouxe para o âmbito
do Estado, em novembro de 1964, através de mudança constitucional e, em seguida, via Estatuto da Terra, o compromisso com a transformação da nossa estrutura agrária, democratizando-a. Mas
não são, em absoluto, panacéia para os
males de que padece a nossa reforma.
Esses são essencialmente três.
Primeiramente, a falta de fontes de financiamento saudáveis e infensas a cortes periódicos em decorrência de choques fiscais. Ao contrário das suas primas ricas, saúde e educação, a reforma
agrária não possui fontes de financiamento vinculadas aos seus gastos mediante lei, sendo sempre forte candidata
a pagar o pato de eventuais ajustes e/ou
mudanças de prioridade ao sabor das
conjunturas políticas. O que impede o
necessário planejamento de médio e
longo prazos, descontinuando-o, além
de travar ou adiar a consolidação dos
assentamentos.
Em segundo lugar, as varas agrárias
não tocam na questão, para nós essencial, do modelo centralizado da reforma
que temos, concebido no contexto da
doutrina de segurança nacional pelo regime militar, num Estado quase unitário, pouco ou nada federativo. Disso resulta um absurdo em um país de dimensões continentais: nem Estados,
nem municípios têm nenhuma obrigação ou compromisso legal com a reforma agrária! Só Brasília, e apenas ela, pode realizá-la, para o bem e para o mal. A
reforma agrária permanece sendo um
monopólio federal, ainda que tenhamos
uma Constituição federativa e descentralizante...
Resquício de uma visão superada pelos fatos, atribuem-se apenas ao presidente da República poderes para enfrentar e desapropriar o latifúndio, enquanto governadores de Estados tão
poderosos e complexos, além de industrializados, a exemplo de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, não podem fazê-lo. Muito embora sejam eles
responsáveis pela segurança pública e
pela defesa civil em seus territórios e comandem corporações militares em alguns casos numericamente superiores
ao Exército nacional.
A título de pálida comparação, o centralismo improdutivo da reforma agrária equivaleria, hoje, na área da saúde, a
extinguir o SUS, retornando ao modelo
do Inamps, e, na área da educação, a fazer o mesmo com o Fundef.
Pois bem, o governo do PT, por pressão do MST e congêneres, não move
uma palha na direção da descentralização. Ao contrário: está reforçando o status quo ao abrir concurso para o Incra,
cuja função, em um sistema nacional de
reforma agrária com a efetiva participação de Estados e municípios, não deveria ser jamais a de executar a reestruturação fundiária, mas coordená-la, definir os seus parâmetros e promover a necessária articulação entre instâncias e
agentes públicos e privados.
Por fim, a questão do modelo. Para
que queremos uma reforma agrária?
Sem dúvida, não mais pelos motivos
que levaram um Alberto Passos Guimarães a fazer a sua defesa no clássico, embora equivocado, "Quatro Séculos de
Latifúndio", quais sejam, a industrialização brasileira -pois essa já se deu.
Também não será a reforma, nesses
tempos do agronegócio, a equacionar a
nossa produção de alimentos.
Resta a ela o papel de inclusão -justa,
digna, necessária e pela via produtiva,
portanto não assistencial- de uma
parcela dos excluídos do campo, transformando-os em agricultores familiares. O que significa assentados apoiados
por políticas de assistência técnica e creditícia especiais, competindo e correndo os riscos, ainda que mitigados, do e
no mercado.
Aqui, é forçoso reconhecer que apenas uma parcela dos incluídos via assentamentos estará um dia em condições mínimas e desejadas de produtividade e competitividade. As causas disso, além do financiamento precário e da
centralização estúpida, remetem à relação de tutela do Estado com os sem-terra, agravada pelo governo Lula, e destes
com o projeto político de suas lideranças -que é o de se instituírem clientes
do poder público e apenas retoricamente agentes produtivos de fato.
Raul Jungmann, 52, é deputado federal pelo
PPS-PE. Foi presidente do Ibama (1995-96) e ministro de Política Fundiária (governo FHC, primeiro mandato) e do Desenvolvimento Agrário
(governo FHC, segundo mandato).
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