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TENDÊNCIAS/DEBATES
O saldo das privatizações
é positivo para o país?
NÃO
Privatizações e o interesse nacional
MARCO AURÉLIO GARCIA
No primeiro debate televisivo do
segundo turno desta campanha
eleitoral, José Serra mostrou-se incomodado quando o tema das privatizações foi colocado por Dilma
Rousseff. Serra quis dar ao debate
da questão um significado eleitoreiro, talvez pensando que seja
mais um "trololó" da esquerda, como gosta tanto de dizer.
Não é assim. Quando a sociedade brasileira é convocada para decidir os destinos do país nos próximos anos, nada mais natural que o
papel do Estado em nosso projeto
nacional de desenvolvimento seja
devidamente debatido.
A questão das privatizações
emergiu no governo Collor de Mello, dormitou no interregno Itamar
Franco e ganhou força durante
o período FHC.
Correspondeu a período marcado não só pela "débâcle" dos regimes comunistas europeus e pela
deriva social-democrata como pelo
aparente êxito da proposta neoliberal que vicejava na Inglaterra de
Thatcher e no Chile de Pinochet.
As teses sobre a diminuição do
papel do Estado -quando não da
necessidade do Estado mínimo-
que acabaram por bater, ainda que
tardiamente, nas costas brasileiras
refletiam um otimismo desenfreado sobre o papel dos mercados na
regulação econômica e financeira.
Elas espelhavam também o grande fascínio exercido pela "globalização" produtiva, mas sobretudo
financeira, em curso.
Ao considerar, de certa forma, irrelevantes a produção e os mercados nacionais, elas acabavam por
minimizar o papel desempenhado
pelos Estados nacionais.
Os governantes teriam de ser
apenas gerentes de políticas mundialmente acordadas pelos grandes
centros econômicos. Ficariam relegados a replicar orientações macroeconômicas de fora, que viabilizassem novo desenho geoeconômico e, evidentemente, geopolítico.
FHC não hesitou em proclamar o
advento de um "novo Renascimento" mundial, ainda que fosse obrigado a reconhecer que alguns milhões de brasileiros iriam ficar obrigatoriamente fora deste suposto ciclo de prosperidade.
Complementando o ajuste que
aqui e lá fora foi praticado, trataram
de liberar o Estado de pesados fardos -as estatais-, que supostamente o impediam de cumprir suas
funções. Ficava a dúvida sobre
quais seriam essas "funções".
Não por acaso usou-se na propaganda a favor das privatizações a
imagem de um elefante em um local fechado. As estatais não passavam de um trambolho que impedia
o desenvolvimento do país.
No altar dessas crenças foram sacrificadas importantes empresas
nacionais. Os cerca de US$ 100 bilhões conseguidos no processo de
privatização comandado pelo ministro José Serra se esfumaram.
O país aumentou consideravelmente sua dívida interna e se tornou muito mais vulnerável internacionalmente, como ficou claro
quando as crises mexicana, asiática e russa levaram o Brasil sucessivamente à beira do abismo.
Perversidade maior desse processo foi o uso de vultuosos recursos do BNDES para financiar as empresas estrangeiras que entraram
nas privatizações. Resumindo a originalidade brasileira: privatizou-se
com dinheiro do Estado brasileiro.
Em seu discurso na Assembleia
Geral da ONU, em 2008, no início
da grande crise econômica mundial, o presidente Lula afirmou ter
chegado a "hora da política", a hora do Estado. Os meses que se seguiram deram a essa fala toda a sua
significação.
Por ter barrado as privatizações,
fortalecido as estatais e dado a elas
um papel estratégico no desenvolvimento nacional, o Brasil pôde enfrentar, como poucos países, a tempestade financeira que se abateu
sobre o mundo.
Os bancos públicos, a Petrobras
e as estatais do setor elétrico foram
fundamentais nesse processo.
Portanto, não estamos diante de
um debate que opõe dinossauros a
modernos. O que está em jogo é o
interesse nacional.
MARCO AURÉLIO GARCIA é assessor especial de
política externa da Presidência da República e
coordenador do programa de governo de Dilma
Rousseff (PT). Foi secretário de Cultura do município
de São Paulo (gestão Marta Suplicy).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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