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CLÓVIS ROSSI
As feridas imprescritíveis
SÃO PAULO - No aparente afã de
contraditar a ministra Dilma Rousseff, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, acabou é reforçando a argumentação
de Dilma, para quem tortura é crime imprescritível.
Diz Mendes que terrorismo também é crime imprescritível. Se é assim, terrorismo de Estado é igualmente crime imprescritível -e o
que aconteceu no Brasil nos anos
60 e 70 foram os dois tipos de terrorismo, o da luta armada e o do aparelho repressivo.
Se alguém tem dúvida, basta ler
os indispensáveis livros de Elio
Gaspari sobre o período militar. Ou
interpretar a atitude da Advocacia
Geral da União de assumir a defesa
de dois oficiais do Exército acusados de praticar torturas. Se assumiu
a defesa, a AGU está dizendo implicitamente que ambos agiram de
acordo com uma política de Estado
e, portanto, não tem como omitir-se na defesa.
Não fosse política de Estado e,
sim, desvio de conduto funcional, a
AGU teria recusado a causa.
Teorias e interpretações à parte,
há fatos concretos ultra-conhecidos: se é terrorismo -e é- matar
um soldado (Mário Kozel Filho)
que estava de guarda à porta do então 2º Exército, também é terrorismo matar um preso sob guarda do
Estado (caso do jornalista Vladimir
Herzog, um entre muitíssimos).
Portanto, se crime de terrorismo
é imprescritível, cabe punir os casos de terrorismo de Estado, até
porque há uma nítida diferença entre um terrorismo e outro: boa parte dos que praticaram terrorismo
contra o regime já foi punida -às
vezes dentro da lei, não raro à margem dela (caso Herzog, para citar de
novo apenas um deles).
Já os que praticaram terrorismo
de Estado não tiveram punição.
Pode-se até discutir a conveniência político-institucional de salgar
feridas a esta altura. O que não se
pode é insinuar reabrir algumas,
sem reabrir também as outras.
crossi@uol.com.br
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