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VLADIMIR SAFATLE
Hegel e nós
Uma das ideias mais atuais
de Hegel diz respeito ao conceito de liberdade.
Ela consiste em lembrar que
toda discussão sobre liberdade é inócua se não começar
por responder quais condições sociais são necessárias
para que uma vida livre possa ganhar realidade.
Um exemplo interessante já
fornecido por Hegel dizia respeito à tendência, no interior
das sociedades de livre mercado, de pauperização de largas
camadas da população devido
à concentração de riquezas. Já
no começo do século 19, um
pensador da envergadura de
Hegel não se espantaria se
descobrisse que, enquanto o
PIB norte-americano por habitante cresceu 36% entre 1973 e
1995, o salário horário de não-executivos abaixou em 14%.
O paradoxo de sociedades
que produzem cada vez mais
riquezas enquanto tendem a
concentrar sua circulação não vem de hoje.
Para Hegel, este não era um
problema de "justiça social",
mas sim de condições de efetivação da liberdade. Não é possível ser livre sendo miserável.
Livres escolhas são radicalmente limitadas na pobreza e,
por consequência, na subserviência social. Posso ter a ilusão de que, mesmo com restrições, continuo a pensar livremente, a deliberar a partir de meu livre-arbítrio individual.
Um pouco como o estoico Epiteto, que dizia ser livre mesmo
sendo escravo. No entanto,
uma liberdade que se reduziu
à condição de puro pensamento é simplesmente inefetiva. Ela determina em muito
pouco as motivações para o nosso agir.
Assim, uma questão fundamental para a realização da liberdade estava ligada à constituição de um Estado com forte capacidade tributária. Estado capaz de, com isso, diminuir as tendências de concentração de riqueza e de pauperização, como já vimos em outros momentos da história.
Isso permitia a Hegel lembrar que a defesa da liberdade
não passava pela crença liberal da redução do Estado a
simples ator responsável pela
segurança pessoal, assim como pela garantia das propriedades e contratos. Ao contrário, era necessário um ator social capaz de limitar as tendências paradoxais das sociedades civis de livre mercado,
quebrando o puro interesse dos particulares.
Mas esta "quebra" e esta
"limitação" eram as condições
para a realização concreta da
liberdade. Pois não se explica
o que é liberdade partindo dos
sistemas individuais de interesses, embora eles não possam ser simplesmente excluídos. "Liberdade" não é apenas
um modo de relação a si, mas
também um modo de relação
social. Por isto, aqueles para
quem o Estado é uma espécie
de monstro a limitar as nossas
possibilidades de autorrealização talvez não saibam o que dizem.
PS: fica para a semana que vem minha resposta ao interessante artigo de Antonio Cícero do último sábado.
VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.
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