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São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 2003

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SADDAM, O BEM E O MAL

A captura do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein por militares norte-americanos está sendo comemorada por muitos como se a invasão do Iraque tivesse, enfim, alcançado seu objetivo final. É conveniente lembrar, em primeiro lugar, que a estabilização do país está longe de ser conquistada.
Embora a prisão de Saddam talvez ajude a arrefecer as ações de resistência, há um longo caminho a ser percorrido até que o país se recupere e conte com um governo que possa ser considerado legítimo.
Em segundo lugar, é preciso não perder de vista que a ofensiva liderada pelos Estados Unidos, sem o aval das Nações Unidas, teve como principal justificativa a suposta existência de armas de destruição de massa nas mãos do governo iraquiano. Foi para debelar essa ameaça, e não para capturar um ditador cruel, como outros que existiram ou ainda existem no mundo, que o presidente norte-americano, George W. Bush, e Tony Blair, seu escudeiro britânico, consideraram formalmente que a invasão deveria merecer apoio internacional.
Até aqui, como se sabe, as armas não foram localizadas -e há sérias dúvidas de que elas existam. Depois de exaustivas buscas, os indícios vão nesse sentido.
O vazio da ameaça das armas de destruição em massa está sendo agora preenchido pelas imagens de Saddam Hussein subjugado. Seu currículo de líder sanguinário contribui para fixar a idéia de que ele não é simplesmente um mal -mas o grande mal nesse conflito com as potências ocidentais que, com a captura, vêem aumentar as suas chances de inequivocamente assumir o papel do bem.
Não se sabe ainda como será o julgamento. Se ocorrerá diante de uma corte iraquiana ou de um tribunal com participação internacional. Em qualquer hipótese, o veredicto, ninguém duvida, só pode ser um: Saddam é culpado. Restará apenas estabelecer a pena -se prisão ou execução, como já clamam muitos.
A possibilidade, porém, de transformar o processo do valioso prisioneiro num espetáculo público, como já foi aventado, poderá trazer alguns inconvenientes. Se tiver, como espera-se de todo julgamento, direito a defesa, o ex-ditador poderá rememorar alguns fatos nada abonadores para os governos da nação invasora.
Não se pode esquecer que em outros tempos o bem e o mal, que agora estão separados, e encarnados por EUA e Saddam, já estiveram lado a lado. Foi com apoio logístico norte-americano que o temido "açougueiro de Bagdá" moveu a sangrenta guerra contra o Irã da revolução islâmica, entre 1980 e 1988.
Como se vê, embora bastante propícias a maniqueísmos de última hora, as relações entre Saddam e EUA envolvem situações delicadas. Certamente que todos os cuidados serão tomados e a possibilidade de oferecer uma tribuna ao ex-ditador é até aqui apenas uma possibilidade. Obviamente, a façanha de Bush será instrumentalizada em favor de sua reeleição. Seria lamentável, no entanto, que esse processo viesse a impedir reflexões menos esquemáticas e simplistas sobre a complexidade das relações internacionais.


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