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São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 2003

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AUTONOMIA E REVOLUÇÃO

Se o PT pretende de fato promover uma "revolução" no sistema universitário brasileiro, terá de mostrar bem mais do que exibiu até aqui. A primeira parte das propostas do governo se limita a elencar novos mecanismos de captação de recursos para universidades públicas.
Não se discute a necessidade de encontrar novas fontes de financiamento. Pode-se dar ainda mais um passo e afirmar que alguns dos itens sugeridos pelo grupo de trabalho liderado pelo Ministério da Educação (MEC) são bastante interessantes. É o caso, por exemplo, da cobrança de contribuições compulsórias de ex-alunos de universidades públicas com renda mensal superior a R$ 2.500. A questão é que não se deve reduzir a crise nas universidades a um problema de verbas. Num passado nem tão remoto, o PT tinha idéias mais claras a respeito do conceito de "revolução". Seja como for, o governo terá a chance de se redimir quando apresentar o restante de seu projeto de universidade pública, o que deve ocorrer até junho de 2004.
Trata-se mesmo de perguntar se a noção de revolução universitária faz algum sentido. Apesar de profundas mudanças e inúmeras reformas, as universidades no Ocidente são essencialmente as mesmas desde a fundação das primeiras instituições, no século 11. Embora elas tenham se desenvolvido em estreita ligação com a Igreja Católica e por muito tempo tenham permanecido dependentes de Roma, surgiram justamente para buscar uma maior autonomia em relação às autoridades clericais. Se um elemento define a universidade desde sempre, ele é a procura pela liberdade de pensamento e pesquisa.
No Brasil, lamentavelmente, as universidades federais ainda não contam com autonomia financeira e administrativa. Dependem da aprovação de Brasília para obter verbas para quase tudo.
O que de mais "revolucionário" o governo pode fazer em relação às universidades federais é dar-lhes a necessária autonomia, aliás prevista na Constituição. É claro que isso não é tudo, mas é um bom começo.
A questão financeira não pode, é claro, ser deixada de lado. O risco, porém, é cair no extremo oposto e considerar a universidade pública como uma empresa privada. Uma boa universidade gasta necessariamente muito dinheiro. Além das atividades de ensino, ela deve manter, entre outras atividades, pesquisa de ponta, o que inclui laboratórios caros. Deve também dar aos docentes o tempo necessário para a maturação de seus projetos, que muitas vezes se revelam equivocados. Para acertar, porém, é preciso errar.
Deve-se ter claro, também, que o retorno que a universidade dá à sociedade não se mede em termos financeiros. Embora a produção intelectual possa traduzir-se numa patente ou num produto, essa não é a regra. Determinadas áreas do conhecimento, como filosofia e história, por exemplo, raramente se tornam sucesso de mercado. São, contudo, essenciais para a sociedade.


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