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TENDÊNCIAS/DEBATES
O resgate dos princípios democráticos
GARIBALDI ALVES FILHO
Como novo presidente do Senado, pretendo adotar medidas para corrigir
rumos, remover entraves, desobstruir a pauta
A DEMOCRACIA representativa
está em crise em todos os quadrantes mundiais, provocando
alterações nos vetores de força de alguns de seus componentes. Como resultado, vemos o enfraquecimento
dos Parlamentos, a dispersão das
oposições, a fragmentação e a pasteurização partidária e a desconjunção
no sistema de pesos e contrapesos
criado para promover a harmonia entre os Poderes.
Na esteira desses fenômenos, a democracia brasileira se depara com
uma cultura política eivada de mazelas, a partir do patrimonialismo, situação que confere ao sistema político-institucional uma arquitetura peculiar, tomando-se como exemplo a
figura do nosso hiperpresidencialismo, que acaba plasmando um parlamentarismo às avessas: o Executivo
realiza as ações decorrentes do arsenal legislativo que ele mesmo impõe.
O abuso de medidas provisórias
usurpa a função legislativa do Congresso. O Poder Legislativo também
se vê diante de um conjunto de decisões emanadas das altas cortes da
Justiça, algumas exibindo nítido caráter normativo, sob o argumento dos
magistrados de que, se assim o fazem,
é porque o Parlamento falha no cumprimento da ação legislativa. Ou seja,
os princípios constitucionais da independência, autonomia e harmonia
entre os Poderes perdem força.
Sob essa moldura e com a consciência de que não podemos mais conviver com as contrafações que rasgam a
letra constitucional, assumo a presidência do Senado Federal.
Inspira-me a idéia-mor de resgatar
a prática democrática da tripartição
dos Poderes, com respeito às funções
atinentes a cada ente, sem o que se
tornarão frágeis os eixos da nossa incipiente democracia.
Entendamos que o Congresso Nacional, quando não decide, não o faz
por indolência nem por falta de capacidade técnica. As duas Casas abrigam o entrechoque de idéias, o conflito de opiniões, em respeito às diversas correntes da opinião pública. Sua
decisão só se efetiva quando se chega
a um consenso ou à intermediação
das divergências.
Ao editar uma medida provisória
ou ao tomar uma decisão baseada em
códigos jurídicos herméticos, distantes da compreensão comum, o Executivo e o Judiciário não se balizam pela
harmonia dos contrários. O primeiro
tem diante de si premências e carências tempestivas da administração, e
o segundo não pode se afastar da frieza dos textos jurídicos, sob pena de se
envolver no debate emotivo das ruas
e impregnar-se de parcialidade.
Como novo presidente do Senado e
do Congresso, pretendo adotar medidas para corrigir rumos, como as que
possibilitam o exame sumário das
medidas provisórias sem caráter de
urgência e relevância. Trabalharei para que esse exame seja feito em conjunto pelas Mesas da Câmara e do Senado, afastando, de pronto, a obstrução das pautas. Outros entraves deverão ser removidos, como os excessivos prazos de publicação, leituras reiteradas, discussões, que, em matérias
reconhecidamente relevantes, poderão ser dispensados pelas lideranças,
em decisão majoritária, sem prejuízo
da decisão final do plenário.
O Congresso precisa trabalhar com
uma agenda positiva, abrigando temas que exijam rápida decisão. A reforma tributária não pode ser novo
remendo, mas um conjunto de propostas capazes de atender, de forma
satisfatória, às reais necessidades dos
entes federativos. Não é possível só
transferir receitas e encargos maiores
que as receitas sem que isso se faça de
forma a restaurar o equilíbrio perdido
entre União, Estados e municípios.
A reforma tributária não se esgota
em tributos. Implica real divisão de
poder entre todos os mandatários. Ou
se faz repartição de forma mais justa,
ou não se faz reforma.
De igual modo, urge realizar a reforma política. Não podemos ficar a
reboque do Judiciário, que começa a
legislar até em matéria política.
Os partidos precisam ganhar substância doutrinária, deixando de ser siglas de baixa referência. O sistema
partidário há de ganhar vigor pelo
adensamento de escopos doutrinários e engajamento das bases, essenciais para evitar a ação arbitrária das
cúpulas e o oportunismo. Voto distrital, puro ou misto, financiamento de
campanhas políticas, cláusulas de
barreira, suplências de candidatos
majoritários constituem temas, entre
outros, que podem contribuir para o
aperfeiçoamento do sistema político.
Essa é uma agenda mínima que ponho à mesa do debate para o revigoramento da nossa democracia.
GARIBALDI ALVES FILHO, 60, bacharel em direito e jornalista, senador da República pelo PMDB-RN, é presidente do Senado Federal. Foi governador do Rio Grande do
Norte (1995-2002) e prefeito de Natal (1985-1988).
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