São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O resgate dos princípios democráticos

GARIBALDI ALVES FILHO

Como novo presidente do Senado, pretendo adotar medidas para corrigir rumos, remover entraves, desobstruir a pauta

A DEMOCRACIA representativa está em crise em todos os quadrantes mundiais, provocando alterações nos vetores de força de alguns de seus componentes. Como resultado, vemos o enfraquecimento dos Parlamentos, a dispersão das oposições, a fragmentação e a pasteurização partidária e a desconjunção no sistema de pesos e contrapesos criado para promover a harmonia entre os Poderes.
Na esteira desses fenômenos, a democracia brasileira se depara com uma cultura política eivada de mazelas, a partir do patrimonialismo, situação que confere ao sistema político-institucional uma arquitetura peculiar, tomando-se como exemplo a figura do nosso hiperpresidencialismo, que acaba plasmando um parlamentarismo às avessas: o Executivo realiza as ações decorrentes do arsenal legislativo que ele mesmo impõe.
O abuso de medidas provisórias usurpa a função legislativa do Congresso. O Poder Legislativo também se vê diante de um conjunto de decisões emanadas das altas cortes da Justiça, algumas exibindo nítido caráter normativo, sob o argumento dos magistrados de que, se assim o fazem, é porque o Parlamento falha no cumprimento da ação legislativa. Ou seja, os princípios constitucionais da independência, autonomia e harmonia entre os Poderes perdem força.
Sob essa moldura e com a consciência de que não podemos mais conviver com as contrafações que rasgam a letra constitucional, assumo a presidência do Senado Federal.
Inspira-me a idéia-mor de resgatar a prática democrática da tripartição dos Poderes, com respeito às funções atinentes a cada ente, sem o que se tornarão frágeis os eixos da nossa incipiente democracia.
Entendamos que o Congresso Nacional, quando não decide, não o faz por indolência nem por falta de capacidade técnica. As duas Casas abrigam o entrechoque de idéias, o conflito de opiniões, em respeito às diversas correntes da opinião pública. Sua decisão só se efetiva quando se chega a um consenso ou à intermediação das divergências.
Ao editar uma medida provisória ou ao tomar uma decisão baseada em códigos jurídicos herméticos, distantes da compreensão comum, o Executivo e o Judiciário não se balizam pela harmonia dos contrários. O primeiro tem diante de si premências e carências tempestivas da administração, e o segundo não pode se afastar da frieza dos textos jurídicos, sob pena de se envolver no debate emotivo das ruas e impregnar-se de parcialidade.
Como novo presidente do Senado e do Congresso, pretendo adotar medidas para corrigir rumos, como as que possibilitam o exame sumário das medidas provisórias sem caráter de urgência e relevância. Trabalharei para que esse exame seja feito em conjunto pelas Mesas da Câmara e do Senado, afastando, de pronto, a obstrução das pautas. Outros entraves deverão ser removidos, como os excessivos prazos de publicação, leituras reiteradas, discussões, que, em matérias reconhecidamente relevantes, poderão ser dispensados pelas lideranças, em decisão majoritária, sem prejuízo da decisão final do plenário.
O Congresso precisa trabalhar com uma agenda positiva, abrigando temas que exijam rápida decisão. A reforma tributária não pode ser novo remendo, mas um conjunto de propostas capazes de atender, de forma satisfatória, às reais necessidades dos entes federativos. Não é possível só transferir receitas e encargos maiores que as receitas sem que isso se faça de forma a restaurar o equilíbrio perdido entre União, Estados e municípios.
A reforma tributária não se esgota em tributos. Implica real divisão de poder entre todos os mandatários. Ou se faz repartição de forma mais justa, ou não se faz reforma.
De igual modo, urge realizar a reforma política. Não podemos ficar a reboque do Judiciário, que começa a legislar até em matéria política. Os partidos precisam ganhar substância doutrinária, deixando de ser siglas de baixa referência. O sistema partidário há de ganhar vigor pelo adensamento de escopos doutrinários e engajamento das bases, essenciais para evitar a ação arbitrária das cúpulas e o oportunismo. Voto distrital, puro ou misto, financiamento de campanhas políticas, cláusulas de barreira, suplências de candidatos majoritários constituem temas, entre outros, que podem contribuir para o aperfeiçoamento do sistema político.
Essa é uma agenda mínima que ponho à mesa do debate para o revigoramento da nossa democracia.


GARIBALDI ALVES FILHO, 60, bacharel em direito e jornalista, senador da República pelo PMDB-RN, é presidente do Senado Federal. Foi governador do Rio Grande do Norte (1995-2002) e prefeito de Natal (1985-1988).

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