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CARLOS HEITOR CONY
Lembrança de Jorge
RIO DE JANEIRO - Foi culpa do Jorge Amado. Ainda não se mudara para o
Rio Vermelho, morava em Copacabana e era um personagem da cidade, mais ou menos como José Lins do
Rego, que morrera pouco antes.
Esbarrei com ele na esquina da rua
São José. Como sempre, acompanhado da malta que o seguia, uns cinco
ou seis titulares e outros tantos reservas circunstanciais que ia arrebanhando por onde passava. Fora apresentado a ele no começo daquele ano,
pelo editor Ênio Silveira, que lançara
meu primeiro livro.
Foi o bastante para que me agarrasse e me levasse à livraria São José.
"Gabriela, Cravo e Canela" estourava na praça, e Jorge, sempre que ia à
cidade, passava na mesa que o Carlos
Ribeiro colocara à sua disposição para os autógrafos. As filas eram imensas.
Tentei tirar o corpo fora, mas ele insistiu. Somente o Jorge seria capaz de
uma idéia destas: juntar na mesma
mesa o autor mais popular do Brasil
e o rapaz anônimo que acabara de
escrever o primeiro livro.
Ele insistiu, pediu ao Carlos Ribeiro
mais uma cadeira, sentou-me a seu
lado e enfrentou a fila que dava volta
na calçada. Foi fácil para o dono da
livraria arranjar a cadeira. Difícil foi
arranjar o livro. Um de seus filhos
deu um pulo na Freitas Bastos e trouxe quatro ou cinco exemplares que lá
estavam encalhados.
Uma hora depois, Jorge continuava
esvaziando a pilha de romances que
a fila devorava com gula. Tomando
um uísque que não me descia bem,
ajudava o Jorge na identificação das
pessoas, esquecido de que ali estava,
teoricamente, para também dar autógrafos e sendo naturalmente esquecido.
Até que a moça, que me parecia
uma professorinha de subúrbio, saiu
da fila, apanhou um dos meus livros,
olhou a capa que o Fernando Pamplona me fizera, abriu na página em
branco e disse um nome que esqueci.
Esqueci o nome dela, mas não a
surpresa. Tampouco esqueci a cara
do Jorge, seu olhinho miúdo, dizendo: "Vai, menino, é assim que se faz".
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