São Paulo, sábado, 17 de janeiro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Lembrança de Jorge

RIO DE JANEIRO - Foi culpa do Jorge Amado. Ainda não se mudara para o Rio Vermelho, morava em Copacabana e era um personagem da cidade, mais ou menos como José Lins do Rego, que morrera pouco antes.
Esbarrei com ele na esquina da rua São José. Como sempre, acompanhado da malta que o seguia, uns cinco ou seis titulares e outros tantos reservas circunstanciais que ia arrebanhando por onde passava. Fora apresentado a ele no começo daquele ano, pelo editor Ênio Silveira, que lançara meu primeiro livro.
Foi o bastante para que me agarrasse e me levasse à livraria São José. "Gabriela, Cravo e Canela" estourava na praça, e Jorge, sempre que ia à cidade, passava na mesa que o Carlos Ribeiro colocara à sua disposição para os autógrafos. As filas eram imensas.
Tentei tirar o corpo fora, mas ele insistiu. Somente o Jorge seria capaz de uma idéia destas: juntar na mesma mesa o autor mais popular do Brasil e o rapaz anônimo que acabara de escrever o primeiro livro.
Ele insistiu, pediu ao Carlos Ribeiro mais uma cadeira, sentou-me a seu lado e enfrentou a fila que dava volta na calçada. Foi fácil para o dono da livraria arranjar a cadeira. Difícil foi arranjar o livro. Um de seus filhos deu um pulo na Freitas Bastos e trouxe quatro ou cinco exemplares que lá estavam encalhados.
Uma hora depois, Jorge continuava esvaziando a pilha de romances que a fila devorava com gula. Tomando um uísque que não me descia bem, ajudava o Jorge na identificação das pessoas, esquecido de que ali estava, teoricamente, para também dar autógrafos e sendo naturalmente esquecido.
Até que a moça, que me parecia uma professorinha de subúrbio, saiu da fila, apanhou um dos meus livros, olhou a capa que o Fernando Pamplona me fizera, abriu na página em branco e disse um nome que esqueci.
Esqueci o nome dela, mas não a surpresa. Tampouco esqueci a cara do Jorge, seu olhinho miúdo, dizendo: "Vai, menino, é assim que se faz".


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