São Paulo, quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Um alerta para as PPPs

JOÃO FRANCISCO MOREIRA VIEGAS

Crê o poder público que a gestão do projeto da linha 4 do metrô não está mais sob sua responsabilidade. Mas não é bem assim

AINDA NÃO estão claras as causas objetivas do desabamento na linha amarela do metrô paulistano. O número de vítimas também não está determinado. No entanto, há vários pontos obscuros no consórcio formado para viabilizar a obra.
O lamentável episódio, decorrente do desabamento de um dos túneis de acesso à nova linha do m na última sexta, traz um pouco de luz às chamadas parcerias público-privadas.
Crê o poder público que a gestão do projeto dessa linha do metrô não está mais sob a sua responsabilidade. Isso porque já houve licitação para outorga de concessão administrativa da obra, saindo vitorioso o consórcio liderado pela CCR Concessões Rodoviárias, uma sociedade anônima de cujo controle participam, entre outros, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Serveng-Civilsan.
A lei nº 11.079/04, que autorizou essa modalidade de concessão, é muito clara e determina, no art. 9º, que, antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria. O projeto executivo da obra também é de responsabilidade do contratado (art.11), o que deve ter ficado claro no edital de licitação e no contrato assinado entre os parceiros, para a implantação da nova linha.
Cumpre, porém, lembrar que, nessa modalidade de gestão, a administração pública não transfere a titularidade do serviço, mantendo, por conseqüência, o poder de direção e controle sobre sua execução. Continua o poder público responsável pelo serviço, que é de sua titularidade, pois lhe foi atribuído por força de lei. O concessionário gere a prestação do serviço, e a administração o controla, configurando-se numa verdadeira polícia do serviço, que implica um contínuo e ininterrupto controle de inspeção e intervenção que se manifesta de diferentes maneiras: ordens, atos de disposição, organização, direção e planejamento do serviço.
Segundo Hector Escola, referidos poderes de direção e controle podem abranger quatro aspectos: o material, relativo à execução da atividade objeto do contrato; o técnico, referente à observância dos requisitos estabelecidos nos planos, especificações, regulamentos, cláusulas contratuais; o financeiro, indispensável para a fixação das tarifas e verificação do equilíbrio econômico-financeiro; o legal, que diz respeito à observância das normas legais e regulamentares. A lei nº 8.987, ainda que de forma esparsa, previu essas formas de controle.
O exercício desse poder constitui-se num verdadeiro dever da administração, ao qual ela não pode furtar-se, sob pena de responsabilidade por omissão. Mas deve ser exercido dentro de limites razoáveis, não podendo a fiscalização fazer-se de tal modo que substitua a gestão da empresa.
Desde agosto do ano passado, pelo menos, o consórcio responsável pela construção da linha tinha conhecimento de problemas nas obras. Relatório apresentado pelo Metrô ao Ministério Público aponta que as obras do trecho 12 "necessitarão de atenção especial". O documento lista as ruas Capri, Padre Carvalho, Campo Alegre, Martim Carrasco e Cardeal Arcoverde como as que deverão ter maior atenção das construtoras. Nessas ruas, vários imóveis apresentavam rachaduras e outros danos.
O relatório reconhece que ocorreram deslocamentos de superfície e recalques "induzidos pelo processo de escavação". Estimava que 135 das construções do local poderiam sofrer recalques de cerca de 15 milímetros e que outras 16 poderiam ter deslocamentos superiores a 25 milímetros.
Recomendou que, nas áreas mais próximas ao eixo do túnel, além de maior atenção, no caso de escavações a fogo, que essa atenção em superfície fosse estendida a pelo menos 20 metros de ambos os lados do eixo de escavação, ou seja, extensão equivalente a dois diâmetros do túnel. O Metrô tomou conhecimento dos problemas com a escavação do túnel a partir do início de agosto do ano passado.
É necessário que os responsáveis privados pela concessão e pela implantação do projeto venham a público para esclarecer as causas do desabamento e para anunciar as providências tomadas relativamente a possíveis vítimas e aos danos produzidos. O que vimos nos últimos dias reforça as convicções dos que receiam que possam as PPPs ser um grande negócio para os sócios privados e uma fonte de prejuízos inesgotáveis para governos e comunidades de contribuintes que pagam impostos.
O Ministério Público de São Paulo, tenham todos a certeza, tomará as medidas que se fizerem necessárias para a correta apuração dos fatos e fixação das responsabilidades.


JOÃO FRANCISCO MOREIRA VIEGAS, 48, é procurador de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Estado de São Paulo.


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