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Estado de defesa
LUIZ FELIPE HAJ MUSSI
A inércia, a ausência de meios eficazes e até o medo de reprimir os criminosos permitiram às organizações que se consolidassem
GANHOU FORÇA a teoria de que
os ataques criminosos em São
Paulo e no Rio de Janeiro configuram "terrorismo criminal". Não
creio que seja assim.
É do conhecimento de todos que há
diversas organizações criminosas comandadas por diferentes grupos. Cada uma tem por princípio defender
sua própria atividade criminosa.
É certo, também, que essas organizações são concorrentes entre si, pois,
em última análise, disputam o mesmo
mercado. Isso as torna inimigas e adversárias na atividade-fim.
Porém, têm um inimigo comum: o
Estado, representado pela polícia, órgão estatal que, em tese, coíbe o exercício amplo da atividade criminosa.
Tecnicamente, pois, não há comando único, propósito comum, ações
coordenadas, pretensão de derrubar a
polícia, pensamento homogêneo, objetivo de conquista de apoio popular.
São atos isolados, de iniciativa individual de cada organização, sempre
reativos ao aumento da pressão repressora do Estado. Servem, também,
como demonstração de força.
Outro fator distintivo é que a organização criminosa, para preservar sua
atividade, utiliza a corrupção como
principal ferramenta e se vale da
doença de centena de milhares de cidadãos para comercializar a droga.
Corrompe a comunidade onde trabalha com duas ações fundamentais:
a imposição do terror local, para evitar delações; e a prática assistencialista, substituindo o Estado em pequenas ações. Corrompe o organismo policial, em troca de informações privilegiadas, vistas grossas, liberação de
presos. Corrompe autoridades com o
aceno do dinheiro farto.
A inércia, a falta de competência, a
omissão, a ausência de mecanismos
públicos eficientes e eficazes e até o
medo de reprimir a atividade criminosa fizeram com que as organizações se consolidassem e passassem a
dominar parte do território urbano.
Esse domínio, aperfeiçoado ao longo dos tempos com a contratação de
advogados de confiança e livre acesso
aos presídios, lhes deu a sensação de
impunidade. Daí os atos de demonstração de força que vemos: atentados
em prédios públicos, incêndio em
ônibus, ataques a turistas etc.
Há, ainda, um fato novo gravíssimo:
as milícias. Formadas por policiais da
ativa, agem como grupo paramilitar,
expulsam traficantes, assumem o
controle social da comunidade e recebem uma taxa de proteção. A situação
é grave, pois deixamos vicejar, dentro
do Estado legal, um Estado ilegal.
Por outro lado, é forçoso reconhecer que o Estado legal não possui ferramentas e não está preparado para
enfrentar esse desafio. É burocrático,
lento, indeciso, carente de recursos
materiais e humanos. O que fazer?
Não se combate uma mazela social
com ações pontuais, transeuntes ou
intervenções transitórias. Há que ter
permanência e efetividade na ação
governamental. Por isso, só vislumbro uma drástica solução política.
Primeiro, temos de alterar o artigo
136, parágrafo 2º, da Constituição,
permitindo que a implantação do estado de defesa possa ter um tempo de
duração suficiente para combater o
problema social a ser enfrentado.
Depois, temos de ter a competência
de elaborar um decreto que seja um
exequível estatuto de combate ao crime organizado e que contemple, minimamente, as seguintes diretrizes:
1) Criação de um órgão, em nível estadual, vinculado diretamente ao governador, independente e autônomo
em relação à polícia tradicional, com
poderes exclusivos para o combate ao
crime organizado.
2) Ação conjunta do governo federal com o governo estadual, deixando
ao encargo deste a coordenação.
3) Previsão orçamentária, liberação
suficiente e permanente de recursos.
4) Compor o órgão com setores de
inteligência e operativos, com cessão
de funcionários categorizados ou
contrato temporário de especialistas.
5) Promover o diagnóstico fiel de
todas as organizações criminosas e
seus principais dirigentes.
6) Combater permanentemente o
processo de comercialização da droga
(desde ingresso nas fronteiras estaduais, transporte e armazenamento
até distribuição e venda).
7) Combater permanentemente as
fontes e os meios financeiros utilizados pela organização.
8) Inserir o Estado legal na comunidade, ombreando-se ao Estado ilegal.
9) Mudar a legislação processual-penal, visando estabelecer procedimentos céleres, limitações recursais e
penas mais drásticas para traficantes.
10) Criar juizados especiais.
11) Designar promotores de Justiça
especialmente para atuar no combate
ao crime organizado.
Sei que é uma aparente utopia. Mas,
para situações excepcionais, medidas
excepcionais. Temos de ter esperança
na vontade política, firme e decidida,
de nossos governantes para enfrentar
o crime organizado.
LUIZ FELIPE HAJ MUSSI, 61, é advogado, membro do Instituto dos Advogados do Paraná, magistrado aposentado
e ex-secretário de Estado da Segurança Pública do Paraná.
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