São Paulo, quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

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Estado de defesa

LUIZ FELIPE HAJ MUSSI

A inércia, a ausência de meios eficazes e até o medo de reprimir os criminosos permitiram às organizações que se consolidassem

GANHOU FORÇA a teoria de que os ataques criminosos em São Paulo e no Rio de Janeiro configuram "terrorismo criminal". Não creio que seja assim.
É do conhecimento de todos que há diversas organizações criminosas comandadas por diferentes grupos. Cada uma tem por princípio defender sua própria atividade criminosa.
É certo, também, que essas organizações são concorrentes entre si, pois, em última análise, disputam o mesmo mercado. Isso as torna inimigas e adversárias na atividade-fim. Porém, têm um inimigo comum: o Estado, representado pela polícia, órgão estatal que, em tese, coíbe o exercício amplo da atividade criminosa.
Tecnicamente, pois, não há comando único, propósito comum, ações coordenadas, pretensão de derrubar a polícia, pensamento homogêneo, objetivo de conquista de apoio popular. São atos isolados, de iniciativa individual de cada organização, sempre reativos ao aumento da pressão repressora do Estado. Servem, também, como demonstração de força.
Outro fator distintivo é que a organização criminosa, para preservar sua atividade, utiliza a corrupção como principal ferramenta e se vale da doença de centena de milhares de cidadãos para comercializar a droga.
Corrompe a comunidade onde trabalha com duas ações fundamentais: a imposição do terror local, para evitar delações; e a prática assistencialista, substituindo o Estado em pequenas ações. Corrompe o organismo policial, em troca de informações privilegiadas, vistas grossas, liberação de presos. Corrompe autoridades com o aceno do dinheiro farto.
A inércia, a falta de competência, a omissão, a ausência de mecanismos públicos eficientes e eficazes e até o medo de reprimir a atividade criminosa fizeram com que as organizações se consolidassem e passassem a dominar parte do território urbano.
Esse domínio, aperfeiçoado ao longo dos tempos com a contratação de advogados de confiança e livre acesso aos presídios, lhes deu a sensação de impunidade. Daí os atos de demonstração de força que vemos: atentados em prédios públicos, incêndio em ônibus, ataques a turistas etc.
Há, ainda, um fato novo gravíssimo: as milícias. Formadas por policiais da ativa, agem como grupo paramilitar, expulsam traficantes, assumem o controle social da comunidade e recebem uma taxa de proteção. A situação é grave, pois deixamos vicejar, dentro do Estado legal, um Estado ilegal.
Por outro lado, é forçoso reconhecer que o Estado legal não possui ferramentas e não está preparado para enfrentar esse desafio. É burocrático, lento, indeciso, carente de recursos materiais e humanos. O que fazer?
Não se combate uma mazela social com ações pontuais, transeuntes ou intervenções transitórias. Há que ter permanência e efetividade na ação governamental. Por isso, só vislumbro uma drástica solução política.
Primeiro, temos de alterar o artigo 136, parágrafo 2º, da Constituição, permitindo que a implantação do estado de defesa possa ter um tempo de duração suficiente para combater o problema social a ser enfrentado.
Depois, temos de ter a competência de elaborar um decreto que seja um exequível estatuto de combate ao crime organizado e que contemple, minimamente, as seguintes diretrizes:
1) Criação de um órgão, em nível estadual, vinculado diretamente ao governador, independente e autônomo em relação à polícia tradicional, com poderes exclusivos para o combate ao crime organizado.
2) Ação conjunta do governo federal com o governo estadual, deixando ao encargo deste a coordenação.
3) Previsão orçamentária, liberação suficiente e permanente de recursos.
4) Compor o órgão com setores de inteligência e operativos, com cessão de funcionários categorizados ou contrato temporário de especialistas.
5) Promover o diagnóstico fiel de todas as organizações criminosas e seus principais dirigentes.
6) Combater permanentemente o processo de comercialização da droga (desde ingresso nas fronteiras estaduais, transporte e armazenamento até distribuição e venda).
7) Combater permanentemente as fontes e os meios financeiros utilizados pela organização.
8) Inserir o Estado legal na comunidade, ombreando-se ao Estado ilegal.
9) Mudar a legislação processual-penal, visando estabelecer procedimentos céleres, limitações recursais e penas mais drásticas para traficantes.
10) Criar juizados especiais.
11) Designar promotores de Justiça especialmente para atuar no combate ao crime organizado.
Sei que é uma aparente utopia. Mas, para situações excepcionais, medidas excepcionais. Temos de ter esperança na vontade política, firme e decidida, de nossos governantes para enfrentar o crime organizado.


LUIZ FELIPE HAJ MUSSI, 61, é advogado, membro do Instituto dos Advogados do Paraná, magistrado aposentado e ex-secretário de Estado da Segurança Pública do Paraná.

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