São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Doze linhas

ALDO PEREIRA

Congratulações ufanistas e falsas pouco deixaram espaço para expressar preocupações responsáveis sobre o meio ambiente no discurso de posse


Na festa da posse, a chuva impunha ao protocolo nada além de poucas e meras inconveniências. Já longe de Brasília, contudo, inundações vêm afogando gente e avalanches de lama têm engolido centenas de casebres e seus ocupantes.
Temporais calamitosos em países como Brasil e Austrália, nevascas extraordinárias nas latitudes temperadas do Norte. Algum nexo?
Para meteorologistas, sim: o vapor que vem do derretimento progressivo das calotas polares e geleiras acrescenta umidade à atmosfera.
Daí, conforme estação e latitude, precipitações mais volumosas de neve ou chuva. Lembretes, dizem, de alterações climáticas planetárias. Outros verão aí apenas mais uma variável de complexa equação que inclui La Niña, El Niño, vulcanismo, arrotos solares etc.
Ora, que desmancha-prazeres quereria incluir esse tema funesto em discurso presidencial de posse? Daí terem limitado a 12 linhas (das 350 lidas) o trecho do discurso presidencial referente aos nossos pecados ambientais.
Além disso, falsas congratulações ufanistas pouco deixaram nesse espaço exíguo para expressão de preocupações sinceras e responsáveis. Por exemplo, após hiperbólica e vaga referência à "missão sagrada de crescer sem destruir o meio ambiente", o discurso proclamou que "somos e seremos os campeões mundiais de energia limpa".
Ou não? Em consumo absoluto de energia hidrelétrica, estamos atrás da China e do Canadá; em consumo per capita, somos o 15º. E se "energia limpa" subentender etanol, os Estados Unidos produzem uns 40% do que o mundo consome; com cerca de 30%, o Brasil é apenas "vice-campeão".
E isso, em parte, graças à tecnologia flex, que deveríamos ter inventado, mas, adivinhe, importamos dos Estados Unidos. "O Brasil continuará também priorizando a preservação das reservas naturais e das florestas", prometeu a presidente. Implícito: o que não continuarmos a converter em pasto e em canavial. Ou não submergirmos em lagos como será o da barragem de Belo Monte, maior que pelo menos uma dúzia de países ou onde, alternativamente, caberia com sobra o município em que mora o ex-presidente Lula.
Subsequente putrefação de milhões de árvores e cadáveres de animais afogados ali irá liberar na atmosfera vasto volume de metano (CO4, 23 vezes mais potente do que o famigerado CO2, ou dióxido de carbono, no agravamento do efeito estufa). No mesmo período, bem perto da conurbação fluminense, concluiremos mais uma usina geradora de energia atômica -e de venenoso lixo radiativo.
Prudência ou astúcia, o discurso não mencionou Angra 3. E o pré-sal? Ainda que escapemos de uma catástrofe como a do recente vazamento no golfo do México, haveria muito a ponderar sobre a sensatez e a responsabilidade de transferir para a atmosfera mais de 1 trilhão de toneladas de carbono hoje sequestrado naquelas profundezas.
Sim, o balanço de necessidades e alternativas é complexo. Mas o que você esperava ler em 12 linhas?

ALDO PEREIRA é ex-editorialista e colaborador especial da Folha.

E-mail: aldopereira.argumento@uol.com.br.

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