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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
O chamamento
O problema maior do país hoje
não é mais o descaminho de um
governo infiel aos compromissos em
nome dos quais se elegeu, a começar
pelo crescimento econômico socialmente includente e pelo desfazimento
de vínculos corruptores entre o poder
e o dinheiro. O problema principal do
Brasil agora é a dificuldade de construir força capaz de representar a alternativa que a nação continua a buscar.
Três acontecimentos ocorridos nos
últimos dias confirmam a urgência
dessa construção. O primeiro acontecimento foi o sinal dado pelo governo
de que pretende impor reforma trabalhista no figurino das chamadas reformas de segunda geração do Consenso
de Washington. Aprofundará desigualdades dentro do assalariado.
Rompe-se, com isso, o último elo entre o Partido dos Trabalhadores e a
causa dos trabalhadores. O segundo
acontecimento foi o reconhecimento
pelo presidente de que desapareceu
justificativa para a separação entre o
PT e o PSDB. Só a disputa pela posse
do poder os separa. Representam o
mesmo projeto, sediado conceitual e
politicamente em São Paulo, de que
São Paulo, entretanto, tem sido a
maior vítima. O terceiro acontecimento foi escândalo -o primeiro de
série previsível e prevista. A série resultará de esforços para consolidar hegemonia política sem respeitar limites
morais ou legais. Resultará também
do abandono das iniciativas que cortariam o mal pela raiz: o financiamento público das campanhas eleitorais e
a regra de que candidato tem de falar a
eleitor diante de fundo branco, sem
truque milionário de marqueteiro.
O destino do governo do PT está traçado. O efeito corrosivo do desemprego e do arrocho salarial será reforçado
pelo efeito explosivo de escândalos repetidos. À medida que o governo
afundar no descrédito, oscilará entre
apelos custosos à confiança financeira
e apelos baratos à confiança popular.
Tudo isso coloca o país diante de
obstáculo que ele ainda não tem como
transpor. A oposição de que o Brasil
precisa não pode ser feita pelos partidos que antes ocupavam o poder central e promoviam o mesmo projeto
que o governo do PT optou por radicalizar. E não pode surgir como sectarismo de esquerda, fácil de isolar e pobre em respostas aos problemas nacionais. Hoje, o único partido que, por
insistência destemida de seu líder, se
oferece para desempenhar o papel da
oposição necessária é o PDT. Não basta.
Só há um caminho: reprimir nosso
pendor para o curto-prazismo e trabalhar, sem medo e sem ilusões, para
o futuro. Que um punhado de homens e mulheres passe a atuar fora
dos partidos e dentro da classe média,
das universidades e das organizações
sindicais e populares, recrutando quadros, reunindo forças e demarcando
outro rumo -produtivista, trabalhista, educador, democratizante e nacional- para o Brasil. Que esses brasileiros criem condições para que indivíduos capazes de encarnar a alternativa
se façam conhecidos da nação. Que
aguardem, pacientemente, a hora de
ganhar os apoios partidários que a luta pelo poder exigirá, sem sacrificar
coerência constante a conveniência
efêmera. E que reconheçam não lhes
caber determinar se a execução da tarefa com que se haverão comprometido levará dois anos ou 20. Começar
tudo de novo? Sim, tudo de novo. Sorte dos que puserem mãos a essa obra
terem razões e ocasiões para se engrandecerem.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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