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DEMÉTRIO MAGNOLI
Siga o dinheiro
O que a Anistia Internacional
tem em comum com o Greenpeace? As duas organizações, como
pressuposto da sua independência
política, recusam dinheiro de governos. Isso as coloca entre as exceções na
paisagem global do "terceiro setor",
como as ONGs (organizações não-governamentais) se autodefinem. A
maioria absoluta das ONGs é financiada por instituições públicas multilaterais e pelos governos nacionais.
O Banco Mundial descobriu, há 15
anos, as virtudes da estratégia de
cooptação de ONGs. Nesse período,
desembolsou quase US$ 4 bilhões em
fundos que financiam atividades de
organizações espalhadas por 60 países. Romano Prodi, ex-presidente da
Comissão Européia, gabou-se em
2000 de direcionar mais de 1 bilhão
por ano a projetos de ONGs. Um relatório da OCDE, de 2003, informa que
os governos dos países industrializados devotam, todos os anos, cerca de
US$ 1 bilhão às ONGs.
Esse é o pano de fundo do fenômeno da multiplicação incontrolável de
ONGs. A ONU recenseou, há dez
anos, quase 29 mil ONGs com ação
internacional. Há incontáveis ONGs
"nacionais". Nos Estados Unidos, seu
número é estimado em 2 milhões. Na
Rússia, de 1992 para cá, formaram-se
mais de 65 mil. No Quênia, elas crescem a um ritmo de 240 por ano. Elas
atuam numa infinidade de campos:
pobreza, refugiados, Aids, meio ambiente, direitos humanos, educação,
saúde, mídia, racismo etc. O Fórum
Social Mundial reuniu cerca de 150
mil participantes em Porto Alegre. É
muito? Não para um congresso internacional de ONGs financiado basicamente por verbas públicas.
O Banco Mundial mantém parceria
oficial e permanente com 24 ONGs.
Quatro delas (Oxfam, Amigos da Terra, Bankwatch Network e Social
Watch) participam do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial, que denuncia a globalização. As
redes de financiamento entrelaçam-se em teias complexas: a Oxfam, que
forneceu antigos diretores para o governo britânico e também para o Ministério das Finanças de Uganda, é
uma das "apoiadoras" da Abong (Associação Brasileira de ONGs), um
"sindicato patronal" dessas organizações no Brasil. A Abong, que também
ocupa lugar destacado na direção do
Fórum Social Mundial, publica um
"Manual de Fundos Públicos", cuja finalidade é ensinar suas filiadas a candidatarem-se à obtenção de recursos
governamentais.
Nas palavras de Oded Grajew, ex-assessor especial de Lula e presidente do
Instituto Ethos, uma ONG de empresários, "a idéia de terceiro setor faz
parte de um processo de mudança da
democracia representativa para a participativa". Essa síntese do argumento
das instituições multilaterais e dos governos para financiar as ONGs oculta
retoricamente o problema da confusão entre as esferas pública e privada.
As ONGs são grupos privados de interesses, mas o seu poder de pressão
expressa-se como capacidade especial
de desviar recursos públicos para
uma agenda política que não foi definida pelos cidadãos e escapa ao controle dos mecanismos institucionais
da democracia. No fundo, a elite organizada nas ONGs compete vantajosamente com os setores desorganizados
da população pela captura de parte da
riqueza social. Não se pode pedir às
ONGs que coloquem o princípio da
independência política acima do vil
metal. Mas é razoável exigir dos governos que tratem as ONGs como o
que elas dizem ser: organizações não-governamentais.
Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
magnoli@ajato.com.br
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