São Paulo, quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Enchentes: algumas medidas jurídicas

PEDRO ESTEVAM SERRANO


Gostaria de levar o debate do campo climático e de engenharia para o das saídas jurídicas, que podem ter grande valia prática

O ESTADO de São Paulo, em especial sua capital, tem sido castigado desde dezembro de 2009 por fortes chuvas diárias que levaram à morte cerca de cem pessoas.
No dia 8 de fevereiro, neste mesmo espaço, a secretária estadual de Saneamento e Energia, Dilma Seli Pena, listou três mitos que teriam sido criados sobre as cheias e citou o volume pluviométrico recorde como causa dos alagamentos frequentes.
Matou três mitos, mas não apagou um fato: o problema das enchentes persiste e seus danos terão efeitos por muito tempo.
Gostaria, no entanto, de levar o debate do campo climático e de engenharia para o das saídas jurídicas, que podem ter grande valia prática.
A premissa fundamental é a de que a responsabilidade do poder público é inconteste. Há décadas centros como São Paulo convivem com o risco de enchentes, o que impinge aos Executivos, principalmente o municipal, o dever jurídico de envidar todos os esforços para evitar e resolver o problema. Não agir assim implica responsabilidade do ente estatal em reparar os danos ocasionados por sua inação administrativa, que se arrasta há vários governos.
Avalio que as ações no âmbito jurídico devem ser de curto, médio e longo prazos.
No curto prazo, a prefeitura pode adotar medidas que agilizem o cumprimento de suas obrigações de mitigar e evitar novos danos. Uma providência é dispensar licitações, contratando em caráter emergencial. A gravidade dos danos ocasionados pelas chuvas justifica tal procedimento.
Mas há o dever maior de diminuir o sofrimento e compensar os prejuízos dos cidadãos. As pessoas afetadas têm hoje o caminho árduo de recorrer à Justiça para serem indenizadas, recurso que se transforma em verdadeiro teste de paciência devido à demora para concretizar seu direito.
A prefeitura, no entanto, pode evitar esse castigo duplo, indenizando pela via administrativa. Nossa ordem jurídica autoriza a opção. Basta adotar um procedimento administrativo padrão que seja capaz de verificar a causalidade dos danos que cada pessoa ou família sofreu, quantificá-los e repará-los de forma justa.
É excelente medida também para a sociedade, porque evita assoberbar ainda mais o Judiciário com processos. A opção administrativa é mais rápida, eficiente e adequada.
No médio e longo prazos, o governo do Estado deve se aliar aos Executivos municipais para realizar obras que visem soluções mais permanentes. Mas há, igualmente, responsabilidade da União, que recebe da Grande São Paulo a maior parcela dos recursos que possui e, em um momento como esse, tem a obrigação de retorná-los.
No plano institucional, é preciso criar a região metropolitana de São Paulo. A Constituição fixa a competência do legislador estadual para criar tais instâncias administrativas do governo estadual, que planejam, realizam e gerenciam as políticas públicas com participação dos municípios, independentemente da coloração partidária de seus agentes.
Há na Assembleia Legislativa de São Paulo um projeto de lei do ex-governador Geraldo Alckmin que cria a região metropolitana. Alguns deputados estaduais estão empenhados no debate, mas a maioria ainda não despertou para a questão.
É preciso citar também os tribunais de contas e o Ministério Público, fundamentais por suas atividades de fiscalização, mas que, por vezes, têm atuado com visão excessivamente tecnicista e burocrática do Direito, esquecendo-se do contexto emergencial em que determinadas medidas são tomadas.
Nesse sentido, cabe à imprensa um papel crucial. Capaz de pressionar positivamente nos momentos agudos, a mídia deve manter as cobranças por mais tempo e direcioná-las à adoção de medidas administrativas e legislativas concretas.
Por último, a sociedade tem o dever de cidadania de procurar conhecer como o Estado funciona para saber de quem cobrar. Pressionar seus representantes a agir é direito da cidadania, mas também seu dever.
Temos aqui um pequeno Haiti com potencial de expansão. Mas só resolveremos o problema das enchentes quando houver esforço conjunto dos representantes da população em todos os níveis e de todo o tecido social.


PEDRO ESTEVAM SERRANO é advogado, doutor em direito do Estado pela PUC-SP e autor dos livros "Região Metropolitana e seu Regime Constitucional" e "Desvio de Poder na Função Legislativa".

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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