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Agrocombustíveis e produção de alimentos
ARIOVALDO UMBELINO DE OLIVEIRA
E as conseqüências, para a produção de alimentos
no Brasil, da expansão da cana-de-açúcar nos últimos
15 anos, quais são?
A RELAÇÃO entre a expansão
dos agrocombustíveis e a produção de alimentos ganhou a
agenda política internacional. A agricultura mundial continua passando
por transformações profundas. O
avanço da "comoditização" dos alimentos e do controle genético das sementes que sempre foram patrimônio da humanidade foi acelerado.
Dois processos monopolistas comandam a produção agrícola mundial. De um lado, está a territorialização dos monopólios, que atuam simultaneamente no controle da propriedade privada da terra, do processo produtivo no campo e do processamento industrial da produção agropecuária. O principal exemplo é o setor sucroalcooleiro.
De outro lado, está a monopolização do território pelas empresas de
comercialização e processamento industrial da produção agropecuária,
que, sem produzir absolutamente nada no campo, controlam, por meio de
mecanismos de sujeição, camponeses
e capitalistas produtores do campo.
As empresas monopolistas do setor
de grãos atuam como "players" no
mercado futuro das Bolsas de mercadorias do mundo e, muitas vezes, têm
também o controle igualmente monopolista da produção dos agrotóxicos e dos fertilizantes.
A crise, portanto, tem dois fundamentos. O primeiro, de reflexo mais
limitado, refere-se à alta dos preços
internacionais do petróleo e, conseqüentemente, à elevação dos custos
dos fertilizantes e agrotóxicos.
O segundo é conseqüência do aumento do consumo, mas não do consumo direto como alimento, como
quer fazer crer o governo brasileiro,
mas, isto sim, daquele decorrente da
opção dos Estados Unidos pela produção do etanol a partir do milho.
Esse caminho levou à redução dos
estoques internacionais desse cereal
e à elevação de seus preços e dos preços de outros grãos -trigo, arroz, soja.
Assim, a "solução" norte-americana contra o aquecimento global se
tornou o paraíso dos ganhos fáceis
dos "players" dos monopólios internacionais que nada produzem, mas
que sujeitam produtores e consumidores à sua lógica de acumulação.
Certamente, não há caminho de
volta para a crise, pois, no caso norte-americano, os solos disponíveis para
o cultivo são disputados entre trigo,
milho e soja. O avanço de um se reflete inevitavelmente no recuo dos outros. Daí a crítica radical de Jean Ziegler, da ONU (Organização das Nações Unidas), que classificou o etanol
como "crime contra a humanidade".
É no interior dessa crise que o agronegócio do agrocombustível brasileiro quer pegar carona no futuro fundado na reprodução do passado. O governo está pavimentando o caminho.
Por isso, a questão dos agrocombustíveis e a produção de alimentos
rebatem diretamente no campo brasileiro. A área plantada de cana-de-açúcar na última safra chegou perto
de 7 milhões de hectares e, em São
Paulo, onde se concentra mais de 50%
do total, já ocupa a quase totalidade
dos solos mais férteis existentes.
Em meio à expansão dos agrocombustíveis, uma pergunta se faz necessária: quais foram as conseqüências,
para a produção de alimentos no Brasil, da expansão da cultura da cana
nos últimos 15 anos?
Os dados do IBGE, entre 1990 e
2006, revelam a redução da produção
dos alimentos imposta pela expansão
da área plantada de cana-de-açúcar,
que cresceu, nesse período, mais de
2,7 milhões de hectares. Tomando-se
os municípios que tiveram a expansão de mais de 500 hectares de cana
no período, verifica-se que, neles,
ocorreu a redução de 261 mil hectares
de feijão e 340 mil hectares de arroz.
Essa área reduzida poderia produzir 400 mil toneladas de feijão, ou seja, 12% da produção nacional, e 1 milhão de toneladas de arroz, o que equivale a 9% do total do país. Além disso,
reduziram-se nesses municípios a
produção de 460 milhões de litros de
leite e mais de 4,5 milhões de cabeças
de gado bovino.
Embora a expansão esteja mais
concentrada em São Paulo, já o está
também no Paraná, em Mato Grosso
do Sul, no Triângulo Mineiro, em
Goiás e em Mato Grosso. Nesses Estados, reduziu-se a área de produção de
alimentos agrícolas e se deslocou a
pecuária na direção da Amazônia Isso
deu, conseqüentemente, em desmatamento. Por isso, a expansão dos
agrocombustíveis continuará a gerar
a redução da produção de alimentos.
A produção dos três alimentos básicos no país -arroz, feijão e mandioca- também não cresce desde os anos
90, e o Brasil se tornou o maior país
importador de trigo do mundo.
Portanto, o caminho para a saída da
crise e da construção de uma política
de soberania alimentar continua sendo a realização de uma reforma agrária ampla, geral e massiva.
ARIOVALDO UMBELINO DE OLIVEIRA, 60, é professor
titular de geografia agrária da USP e diretor da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária). Integrou a equipe que elaborou a proposta do Segundo Plano Nacional de
Reforma Agrária para o governo Lula (2003).
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