São Paulo, quinta-feira, 17 de maio de 2001

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RICARDO BONALUME NETO

Heróis de verdade

Apagão , painel do Senado, ranário milionário. As páginas de política viraram caso de polícia, as de economia só trazem más notícias. É o que basta para o brasileiro ter a recaída de praxe e voltar a achar que vive no pior dos mundos.
Quem está desanimado e quer voltar a ter um pouco de esperança no Brasil e nos brasileiros deve assistir ao documentário feito pelo diretor Erik de Castro: "Senta a Pua!".
Trata-se de um excelente antídoto para aquela sensação de que este país não tem como dar certo.
O documentário trata da história do 1º Grupo de Caça da Força Aérea Brasileira, uma das duas unidades de aviação enviadas para combater na Itália, na Segunda Guerra Mundial, em 1944-1945.
"Senta a Pua!" era o gauchesco grito de guerra da unidade; quer dizer algo como se arrojar contra o inimigo, golpeá-lo duramente.
A história dos brasileiros na guerra é exemplar pelo que ensina sobre governo e sociedade. O grupo de caça era uma unidade de elite, composta pela nata dos pilotos da FAB. Isso ajuda a explicar seu excelente desempenho em combate, até melhor que o de muitas unidades americanas do mesmo tamanho. O pessoal de terra também cumpriu suas funções de modo incrivelmente eficaz -eram os mecânicos, armeiros etc., sem os quais os aviões nem sairiam do chão.
O 1º Grupo de Caça mostrou que o brasileiro, devidamente incentivado e motivado, não deve nada a ninguém.
O governo da época, porém, não esteve à altura dos seus cidadãos. Não houve um apoio dedicado aos combatentes. Os pilotos morriam em ação e não havia o recompletamento da unidade. Mas os sobreviventes continuaram em frente e escreveram uma bela página de heroísmo.
O Brasil também mandou para a guerra na Itália uma força de infantaria, a FEB (Força Expedicionária Brasileira), volta e meia espezinhada pelos ignorantes ou pelos politicamente mal-intencionados.
A FEB, ao contrário dos pilotos de caça, não era uma tropa de elite. Mas era um retrato fiel da sociedade brasileira e representou dignamente o Brasil na luta mais importante do século passado para acabar com o nazi-fascismo.
"A FEB era um bom resumo do povo do Brasil, não só porque tinha soldados de todos os seus Estados e de todas as classes sociais e níveis de cultura, como porque levava todos os seus defeitos e improvisações, todas as suas incoerências e mitos, todas as falhas e virtudes desse povo", escreveu em 1969 o escritor Rubem Braga, que acompanhou a FEB como correspondente de guerra.
Hoje os veteranos do Grupo de Caça e da FEB são senhores idosos, que guardam preciosas memórias. Alguns, aqui em São Paulo, reúnem-se mensalmente faz mais de 50 anos para relembrar aqueles momentos dramáticos, mas que forjaram uma camaradagem duradoura. Neste mês, em que se comemora o aniversário do final da guerra, eu participei desse jantar. Seria difícil achar maior honra do que esse convite vindo de brasileiros que enobreceram o nome do sofrido cidadão deste país.


Ricardo Bonalume Neto é repórter e colunista da Folha e autor de "A Nossa Segunda Guerra -Os Brasileiros em Combate, 1942-1945" (Expressão e Cultura, Rio de Janeiro, 1995). Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Otavio Frias Filho, que escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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