São Paulo, segunda-feira, 17 de maio de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Garganta profunda

RIO DE JANEIRO - No episódio cômico que envolveu um jornal, um jornalista e o presidente da República, duas pessoas se destacaram como mediadores, salvando o governo do vexame totalitário: o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e o assessor de imprensa, Ricardo Kotscho. Ficaram leais ao presidente, afundariam com ele se o caso tivesse maiores complicações, mas mantiveram suas posições pessoais contrárias à expulsão do jornalista norte-americano.
Tudo terminou bem, apenas com mais um rombo na imagem do presidente Da Silva, afinal, não é de agora que a sua preferência por bebidas destiladas é comentada nos botecos e velórios -para lembrar citação do Nelson Rodrigues.
Quanto à retratação em si, ela não diz nada, a não ser o óbvio: o jornalista não teve a "intenção" de ofender o presidente. Nem haveria motivos para isso, não consta que eles sejam inimigos pessoais nem que entre os dois tenha havido aquilo que os italianos chamam de "fatto di sangue o di onore".
Ele registrou comentários de suas fontes -o que qualquer jornalista faz-, tendo o cuidado de invocar o direito do sigilo das ditas fontes, que muitas vezes são inventadas. O representante do "NYT" citou três fontes, que foram consideradas, unilateralmente, sem credibilidade, o que não vem ao caso. Até hoje, no escândalo do Watergate, discute-se a credibilidade da principal fonte, escondida num pseudônimo pornô, Garganta Profunda, que provocaria a renúncia de Nixon.
Qualquer jornalista processado, na primeira audiência, é indagado pelo juiz se tinha intenção de ofender o autor da ação. Todos respondem que não. Quando fui processado pelo ministro da Guerra, em 1964, foi essa a minha resposta. Julgava-o um gorila, mas apreciava seus óculos escuros, que ele copiava do ator Marcello Mastroianni em "A Doce Vida". No fim da audiência, o general veio apertar cordialmente a minha mão -mas não me livrou da prisão.


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