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CARLOS HEITOR CONY
Garganta profunda
RIO DE JANEIRO - No episódio cômico que envolveu um jornal, um jornalista e o presidente da República,
duas pessoas se destacaram como
mediadores, salvando o governo do
vexame totalitário: o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e o assessor de imprensa, Ricardo Kotscho.
Ficaram leais ao presidente, afundariam com ele se o caso tivesse maiores
complicações, mas mantiveram suas
posições pessoais contrárias à expulsão do jornalista norte-americano.
Tudo terminou bem, apenas com
mais um rombo na imagem do presidente Da Silva, afinal, não é de agora
que a sua preferência por bebidas
destiladas é comentada nos botecos e
velórios -para lembrar citação do
Nelson Rodrigues.
Quanto à retratação em si, ela não
diz nada, a não ser o óbvio: o jornalista não teve a "intenção" de ofender o
presidente. Nem haveria motivos para isso, não consta que eles sejam inimigos pessoais nem que entre os dois
tenha havido aquilo que os italianos
chamam de "fatto di sangue o di onore".
Ele registrou comentários de suas
fontes -o que qualquer jornalista
faz-, tendo o cuidado de invocar o
direito do sigilo das ditas fontes, que
muitas vezes são inventadas. O representante do "NYT" citou três fontes,
que foram consideradas, unilateralmente, sem credibilidade, o que não
vem ao caso. Até hoje, no escândalo
do Watergate, discute-se a credibilidade da principal fonte, escondida
num pseudônimo pornô, Garganta
Profunda, que provocaria a renúncia
de Nixon.
Qualquer jornalista processado, na
primeira audiência, é indagado pelo
juiz se tinha intenção de ofender o
autor da ação. Todos respondem que
não. Quando fui processado pelo ministro da Guerra, em 1964, foi essa a
minha resposta. Julgava-o um gorila,
mas apreciava seus óculos escuros,
que ele copiava do ator Marcello
Mastroianni em "A Doce Vida". No
fim da audiência, o general veio apertar cordialmente a minha mão
-mas não me livrou da prisão.
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