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JOSÉ SERRA
Educação
sem projeto
No Brasil, nos anos 90, foram fechadas muitas indústrias. Num
caso, valeu a pena: o fechamento da
fábrica de analfabetos. Até meados
dessa década, o esforço para erradicar
o analfabetismo equivalia à pretensão
de encher uma pia abrindo a torneira
sem vedar bem o ralo. As taxas caíam
lentamente, pois a fábrica continuava
a produzir novos analfabetos. No início dos 90, duas de cada dez crianças
chegavam aos 14 anos sem freqüentar
uma sala de aula. Hoje, 97% das crianças brasileiras estão na escola.
A prioridade para o acesso à educação fundamental, implementada pelo
governo passado, praticamente estancou a formação de novos contingentes
de analfabetos. Esse avanço abriu o caminho para novos desafios: melhorar
a qualidade do ensino fundamental,
ampliar a pré-escola, romper o gargalo do ensino médio, fortalecer as universidades públicas como espinha
dorsal do sistema de ensino superior e
de pesquisa científica e tecnológica.
Tudo isso requer um projeto claro.
Mas sobram indícios de que, na educação como em outras áreas, o PT tinha um plano de campanha, mas não
um programa de governo. Se existe,
ainda permanece escondido, depois
de um terço do mandato de Lula.
A melhora da qualidade exige ampliar muito a qualificação dos professores: formação, incentivos à carreira
e melhorias nas condições de trabalho. Requer, também, aprimorar a
gestão do sistema, aumentar sua eficiência e reforçar o compromisso com
o desempenho dos alunos. Mas, no
primeiro ano do novo governo, apenas uma política educacional saiu do
papel: a alfabetização de jovens e adultos, uma área estruturada no governo
Fernando Henrique. Funcionam outros programas da gestão do ministro
Paulo Renato, como a merenda escolar, o livro didático e o dinheiro direto
na escola. Mas não há iniciativas que
dêem conta dos novos desafios.
Nem a questão crucial do financiamento começou a ser equacionada. O
PT quer substituir o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental
por um fundo único para os três níveis
de ensino. Mas seria melhor criar dois
novos fundos separados, para a educação infantil e para o ensino médio,
com suas respectivas fontes de receitas. É temerário trocar o Fundef por
um fundo único, de operação e controle bem mais complexos.
Ao contrário do que pensa uma parte do PT, a política para o ensino superior deve partir do princípio de que a
universidade pública continuará sendo gratuita. É um mito a idéia de que a
maioria dos alunos das universidades
públicas é rica e pode pagar. Nos Estados Unidos, onde a renda per capita é
cinco vezes maior do que a do Brasil,
apenas o equivalente à metade dos estudantes paga seus cursos nas melhores universidades. Os demais recorrem ao sistema de bolsas. Nas instituições federais brasileiras, estima-se que
25% dos alunos poderiam pagar. Mas
a arrecadação representaria apenas
uns 10% de seu orçamento e criaria
novos custos administrativos. A meu
ver, a mudança não se justifica, nem
por economia nem por ideologia.
Enfrentar os novos desafios na área
de educação exige mais recursos. Mas
a política econômica do governo Lula,
baseada no tripé de juros siderais, tributos escandinavos e corte indiscriminado de gastos, não produz o crescimento e não gera, portanto, receita
suficiente para atender a área social.
Ela é que precisa ser mudada.
José Serra escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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