São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 2006

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CLÓVIS ROSSI

O crime compensa

ESTRASBURGO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse, certa vez, que não fizera a reforma tributária, tida como prioridade na campanha, porque era "difícil".
Sai FHC, entra Lula e, mais simplificador, diz, em junho de 2004: "O governo tenta fazer o simples, porque o difícil é difícil".
Deve haver considerações do gênero em governos anteriores. E, de dificuldade em dificuldade, chegou-se à São Paulo dos últimos dias. Sim, porque atacar de fato o problema da segurança pública é difícil. Fácil é dizer "bota o Exército na rua", ou "a culpa é do Alckmin", ou "a culpa é do Lula".
O problema é infinitamente mais complicado. Envolve pelo menos dois aspectos centrais:
1 - O poder público brasileiro, em todos os níveis, faliu. Pior: a noção de bem ou de serviço público tornou-se risível. O mundo político, que deveria cuidar dele, cuida apenas de sua própria sobrevivência, com uma ou outra exceção. O mensalão e os "sanguessugas" são apenas as mais recentes demonstrações da falência.
Pior ainda: a sociedade não reage. Do que dá prova o fato de ter aceitado a noção de que não pode nem deve reagir a um assalto. A única coisa a preservar é a vida, o resto é "entregável". E ainda deve ficar feliz se só for roubado.
2 - O crime compensa. Compensa porque as leis são caudalosas e confusas, porque sua aplicação é lenta, porque a apuração de crimes é virtualmente inexistente (só 4% deles são efetivamente esclarecidos pela polícia), porque, ainda que haja apuração e ainda que haja punição, não há lugar nas cadeias etc.
Compensa também porque a renda e o emprego oferecidos pela criminalidade superam, para uma parte importante da população, o que propõe a economia, digamos, normal, se é normal uma economia que perde na competição com o crime.
Resultado: o governo fica fazendo o "simples", e o problema torna-se cada vez mais grave, até que a barbárie se instale. Bem-vindo a ela.

@ - crossi@uol.com.br


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