São Paulo, sábado, 17 de maio de 2008

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RUY CASTRO

A vida na estante

RIO DE JANEIRO - Às vezes, sou levado a dar palestras em livrarias e bibliotecas, dois lugares a salvo de gente suspeita, como punguistas, terroristas, políticos etc. O único risco que se corre nelas é abrir um livro ao acaso e deparar com uma informação ou idéia que nos transforma a vida para sempre, para o bem ou para o mal.
Numa livraria, há tempos, alguém na platéia perguntou o que eu gostaria de ser quando crescesse. A pergunta era de brincadeira, mas respondi a sério: um dia, gostaria de deixar de ser escritor ou eventual jornalista e reverter à condição de apenas, e com muita honra, leitor.
Afinal, venho me preparando para isso há décadas, desde o dia em que cruzei as pernas dentro das calças curtas e abri o primeiro livro. Milhares de livros depois, descobri que essa preparação incluiu plantar estantes em todos os endereços em que morei, sempre achando que seriam definitivos. E todas essas estantes foram deixadas para trás, na esperança de que o futuro morador as usasse para guardar livros -quaisquer livros-, e não bibelôs inúteis ou troféus conquistados em gincanas bancárias.
Outro sintoma dessa obsessão é procurar os sebos em cada cidade que visito. Se tenho duas horas livres, é neles que tento gastá-las. Até há pouco, eu ainda perguntava no hotel onde ficavam os sebos locais. Agora não preciso mais. Basta chegar à janela e apontar o nariz para a cidade lá em baixo. O cheiro de mofo e dos livros empoeirados me assola as narinas, e sei logo para onde devo ir. Ou então, já na rua, um ácaro me sopra ao ouvido que há um lindo sebo escondido numa galeria defronte.
Enfim, são planos. Do alto das estantes, um mundo de biografias, livros de história e romances clássicos, de "Elzira, a Morta Virgem" a "O Grande Industrial", me contempla. Gigi, eu chego lá.


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