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RUY CASTRO
A vida na estante
RIO DE JANEIRO - Às vezes, sou
levado a dar palestras em livrarias e
bibliotecas, dois lugares a salvo de
gente suspeita, como punguistas,
terroristas, políticos etc. O único
risco que se corre nelas é abrir um
livro ao acaso e deparar com uma
informação ou idéia que nos transforma a vida para sempre, para o
bem ou para o mal.
Numa livraria, há tempos, alguém na platéia perguntou o que eu
gostaria de ser quando crescesse. A
pergunta era de brincadeira, mas
respondi a sério: um dia, gostaria de
deixar de ser escritor ou eventual
jornalista e reverter à condição de
apenas, e com muita honra, leitor.
Afinal, venho me preparando para isso há décadas, desde o dia em
que cruzei as pernas dentro das calças curtas e abri o primeiro livro.
Milhares de livros depois, descobri
que essa preparação incluiu plantar
estantes em todos os endereços em
que morei, sempre achando que seriam definitivos. E todas essas estantes foram deixadas para trás, na
esperança de que o futuro morador
as usasse para guardar livros
-quaisquer livros-, e não bibelôs
inúteis ou troféus conquistados em
gincanas bancárias.
Outro sintoma dessa obsessão é
procurar os sebos em cada cidade
que visito. Se tenho duas horas livres, é neles que tento gastá-las.
Até há pouco, eu ainda perguntava
no hotel onde ficavam os sebos locais. Agora não preciso mais. Basta
chegar à janela e apontar o nariz
para a cidade lá em baixo. O cheiro
de mofo e dos livros empoeirados
me assola as narinas, e sei logo para
onde devo ir. Ou então, já na rua,
um ácaro me sopra ao ouvido que
há um lindo sebo escondido numa
galeria defronte.
Enfim, são planos. Do alto das estantes, um mundo de biografias, livros de história e romances clássicos, de "Elzira, a Morta Virgem" a
"O Grande Industrial", me contempla. Gigi, eu chego lá.
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