São Paulo, sábado, 17 de maio de 2008

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GUSTAVO FRANCO

O cofrinho do ministro

O PAC NOS ensinou que, em matéria de políticas públicas, a alma do negócio está na embalagem, e foi exatamente um grande embrulho o que tentou fazer o ministro da Fazenda no anúncio da criação do Fundo Soberano do Brasil. O que era para ser uma espécie de festa se tornou um evento para enfeitar a galeria dos momentos mais constrangedores da sala de imprensa do ministério.
Por mais complexos que sejam os assuntos referentes a contas públicas, e não é preciso entrar no detalhe, o brasileiro, em geral, e os jornalistas presentes naquele auditório, em particular, já aprenderam a não se deixar enganar nesses temas. A idéia de que o governo brasileiro tem uma "poupança", ou um "superávit excedente", ou um dinheiro "sobrando" é tão ridícula quanto a imagem que o ministro usou de um "cofrinho". O Brasil tem déficit (abstraídos os truques de praxe), algo da ordem de uns R$ 40 bilhões ou R$ 50 bilhões para os últimos 12 meses, e qualquer gasto adicional, como o proposto pelo ministro, representará um acréscimo da dívida pública, ou nos impostos, ou nos juros.
É curioso. Se a coletiva fosse para o anúncio de novos gastos de R$ 20 bilhões ou R$ 30 bilhões, ou numa grande ferrovia, ou na transposição de um rio, ou em emendas de parlamentares, ou para capitalizar o BNDES, uma grande cizânia estaria criada em torno do uso do dinheiro, que todos sabem que é pouco e muito disputado. Mas o embrulho do ministro confundiu as coisas, pois ele mesmo se empenhou em misturar "excesso de reservas internacionais" com alguma forma de "sobra" nos cofres do Tesouro. O ministro não veio à coletiva para esclarecer, mas para soltar balões.
Portanto, o que ficou de sua fala foi a intenção do governo em se endividar pagando 12% ao ano ou mais, para usar o dinheiro em investimentos no exterior definidos de forma bastante vaga, fazendo crer que vai emprestar para empresas brasileiras que não precisam e cobrando rendimentos da ordem de 4%. Seria o primeiro caso no planeta de um fundo soberano "alavancado", ou seja, para o qual o governo toma dinheiro emprestado para fazer investimentos, e também o primeiro desenhado para perder dinheiro.
Curioso: em janeiro de 1993, quando eu ainda escrevia para a Folha, o ex-ministro Delfim Netto encantou o presidente Itamar Franco com a idéia de usar o "excedente" de reservas internacionais para investimentos nas estradas brasileiras. Muitos economistas desancaram a proposta, este escriba entre eles, argumentando que a era da feitiçaria econômica estava no fim, ou quase. Coincidência, não?


GUSTAVO FRANCO escreve aos sábados nesta coluna.


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