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GUSTAVO FRANCO
O cofrinho do ministro
O PAC NOS ensinou que, em
matéria de políticas públicas, a alma do negócio está
na embalagem, e foi exatamente
um grande embrulho o que tentou
fazer o ministro da Fazenda no
anúncio da criação do Fundo Soberano do Brasil. O que era para ser
uma espécie de festa se tornou um
evento para enfeitar a galeria dos
momentos mais constrangedores
da sala de imprensa do ministério.
Por mais complexos que sejam
os assuntos referentes a contas públicas, e não é preciso entrar no detalhe, o brasileiro, em geral, e os
jornalistas presentes naquele auditório, em particular, já aprenderam
a não se deixar enganar nesses temas. A idéia de que o governo brasileiro tem uma "poupança", ou um
"superávit excedente", ou um dinheiro "sobrando" é tão ridícula
quanto a imagem que o ministro
usou de um "cofrinho". O Brasil
tem déficit (abstraídos os truques
de praxe), algo da ordem de uns R$
40 bilhões ou R$ 50 bilhões para os
últimos 12 meses, e qualquer gasto
adicional, como o proposto pelo
ministro, representará um acréscimo da dívida pública, ou nos impostos, ou nos juros.
É curioso. Se a coletiva fosse para
o anúncio de novos gastos de R$ 20
bilhões ou R$ 30 bilhões, ou numa
grande ferrovia, ou na transposição de um rio, ou em emendas de
parlamentares, ou para capitalizar
o BNDES, uma grande cizânia estaria criada em torno do uso do dinheiro, que todos sabem que é pouco e muito disputado. Mas o embrulho do ministro confundiu as
coisas, pois ele mesmo se empenhou em misturar "excesso de reservas internacionais" com alguma
forma de "sobra" nos cofres do Tesouro. O ministro não veio à coletiva para esclarecer, mas para soltar
balões.
Portanto, o que ficou de sua fala
foi a intenção do governo em se endividar pagando 12% ao ano ou
mais, para usar o dinheiro em investimentos no exterior definidos
de forma bastante vaga, fazendo
crer que vai emprestar para empresas brasileiras que não precisam e cobrando rendimentos da
ordem de 4%. Seria o primeiro caso
no planeta de um fundo soberano
"alavancado", ou seja, para o qual o
governo toma dinheiro emprestado para fazer investimentos, e também o primeiro desenhado para
perder dinheiro.
Curioso: em janeiro de 1993,
quando eu ainda escrevia para a
Folha, o ex-ministro Delfim Netto
encantou o presidente Itamar
Franco com a idéia de usar o "excedente" de reservas internacionais
para investimentos nas estradas
brasileiras. Muitos economistas
desancaram a proposta, este escriba entre eles, argumentando que a
era da feitiçaria econômica estava
no fim, ou quase.
Coincidência, não?
GUSTAVO FRANCO escreve aos sábados nesta
coluna.
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