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BORIS FAUSTO
Controvérsia
Não gosto de monocórdios. Esperava tratar de outros temas na
coluna de hoje, mas o artigo de Marco
Aurélio Garcia ("História sem memória", "Tendências/Debates", pág. A3,
13/6) me obriga a voltar ao PT, até porque o autor é uma pessoa que me merece respeito.
Diz Marco Aurélio, para começar,
que "repito e repito inverdades até que
se tornem verdades", dando como
exemplo a afirmação de que o PT foi
sempre favorável à suspensão do pagamento da dívida externa. Inverdade? Lembro dois fatos -para ficar no
essencial: 1) o site do PT na internet
convocou os militantes para participarem do plebiscito promovido pela
CNBB e por outras entidades a respeito do assunto e para votarem pelo repúdio aos compromissos externos; 2)
O deputado José Dirceu, presidente
do partido, apresentou na Câmara
projeto de decreto legislativo para que
se realizasse plebiscito nacional sobre
a matéria, cuja decisão seria vinculante. A manobra era óbvia. E dá para
imaginar o estrago que o simples
anúncio de um plebiscito dessa natureza faria em nossas contas públicas.
Quanto à campanha antidemocrática "Fora FHC", ela esteve nas ruas e nos
escritos dos dirigentes e dos intelectuais do PT por um bom tempo. O
partido nunca a desautorizou, muito
pelo contrário. Na crítica a essa campanha, destacou-se o oposicionista
Roberto Freire, chamando-a pelo nome: golpismo. Freire demonstrou assim que tem memória dos tempos da
ditadura, ao contrário de certas figuras de esquerda, que, por serem jovens
ou desmemoriadas, ainda encaram a
democracia como algo apenas instrumental.
Afirmar que o PT sempre esteve a favor da austeridade fiscal e do combate
à inflação não é sério. É verdade que as
administrações petistas estaduais e
municipais aprenderam algo nesse caminho, provocando, aliás, o rilhar de
dentes no interior do partido. Mas o
PT votou, até recentemente, contra os
projetos com esse objetivo que tramitaram no Congresso Nacional. Exemplo paradigmático: a Lei de Responsabilidade Fiscal, objeto também de
uma ação direta de inconstitucionalidade interposta pelo PT e por outros
partidos de oposição perante o STF e
julgada improcedente no essencial.
No tocante ao tema das alianças políticas, ironias fáceis à parte, Marco
Aurélio confunde alianças com oportunismo na ingrata tarefa de defender
o indefensável. Alianças em torno de
programas fazem parte do jogo partidário em qualquer país democrático.
O acordo básico entre PSDB, PFL,
PMDB e, subsidiariamente, PPB foi
um nítido exemplo disso, representando uma condição básica para a reforma do Estado e para a estabilidade.
Outra coisa é o vale-tudo dos arranjos
a que se dedica hoje a direção do PT na
ânsia de ganhar as eleições, gerando
espanto e críticas em suas fileiras.
Por último, Marco Aurélio diz que
me deixei levar pela paixão política e
me aconselha a "orientar meus escritos pela razão". Agradeço o conselho,
mas não preciso dele. Sem desprezar a
paixão, declaro a quem interessar possa que minha racionalidade está melhor do que nunca.
P.S. - Estou saindo em férias. Retorno à coluna em meados de julho.
Até a volta.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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