São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 2002

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BORIS FAUSTO

Controvérsia

Não gosto de monocórdios. Esperava tratar de outros temas na coluna de hoje, mas o artigo de Marco Aurélio Garcia ("História sem memória", "Tendências/Debates", pág. A3, 13/6) me obriga a voltar ao PT, até porque o autor é uma pessoa que me merece respeito.
Diz Marco Aurélio, para começar, que "repito e repito inverdades até que se tornem verdades", dando como exemplo a afirmação de que o PT foi sempre favorável à suspensão do pagamento da dívida externa. Inverdade? Lembro dois fatos -para ficar no essencial: 1) o site do PT na internet convocou os militantes para participarem do plebiscito promovido pela CNBB e por outras entidades a respeito do assunto e para votarem pelo repúdio aos compromissos externos; 2) O deputado José Dirceu, presidente do partido, apresentou na Câmara projeto de decreto legislativo para que se realizasse plebiscito nacional sobre a matéria, cuja decisão seria vinculante. A manobra era óbvia. E dá para imaginar o estrago que o simples anúncio de um plebiscito dessa natureza faria em nossas contas públicas.
Quanto à campanha antidemocrática "Fora FHC", ela esteve nas ruas e nos escritos dos dirigentes e dos intelectuais do PT por um bom tempo. O partido nunca a desautorizou, muito pelo contrário. Na crítica a essa campanha, destacou-se o oposicionista Roberto Freire, chamando-a pelo nome: golpismo. Freire demonstrou assim que tem memória dos tempos da ditadura, ao contrário de certas figuras de esquerda, que, por serem jovens ou desmemoriadas, ainda encaram a democracia como algo apenas instrumental.
Afirmar que o PT sempre esteve a favor da austeridade fiscal e do combate à inflação não é sério. É verdade que as administrações petistas estaduais e municipais aprenderam algo nesse caminho, provocando, aliás, o rilhar de dentes no interior do partido. Mas o PT votou, até recentemente, contra os projetos com esse objetivo que tramitaram no Congresso Nacional. Exemplo paradigmático: a Lei de Responsabilidade Fiscal, objeto também de uma ação direta de inconstitucionalidade interposta pelo PT e por outros partidos de oposição perante o STF e julgada improcedente no essencial.
No tocante ao tema das alianças políticas, ironias fáceis à parte, Marco Aurélio confunde alianças com oportunismo na ingrata tarefa de defender o indefensável. Alianças em torno de programas fazem parte do jogo partidário em qualquer país democrático. O acordo básico entre PSDB, PFL, PMDB e, subsidiariamente, PPB foi um nítido exemplo disso, representando uma condição básica para a reforma do Estado e para a estabilidade. Outra coisa é o vale-tudo dos arranjos a que se dedica hoje a direção do PT na ânsia de ganhar as eleições, gerando espanto e críticas em suas fileiras.
Por último, Marco Aurélio diz que me deixei levar pela paixão política e me aconselha a "orientar meus escritos pela razão". Agradeço o conselho, mas não preciso dele. Sem desprezar a paixão, declaro a quem interessar possa que minha racionalidade está melhor do que nunca.
P.S. - Estou saindo em férias. Retorno à coluna em meados de julho. Até a volta.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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