São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 2002

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Ataques terroristas imprevisíveis

CARLOS DE MEIRA MATTOS


Assistimos a uma nova forma de terrorismo, que ameaça a segurança estrutural, física e humana do Estado

A imprevisibilidade dos ataques terroristas vem mantendo a população dos Estados Unidos em situação de incomoda apreensão.
O terrorismo, forma de agressão traiçoeira e desumana -porque nega à vítima a mínima possibilidade de defesa-, não é novidade na história da humanidade. O que há de novo é a dimensão política que passou a significar.
Os efeitos políticos do terrorismo não iam além de atentados contra autoridades e líderes, como aconteceu no fim do século 19 e começo do século 20, quando uma onda do movimento anarquista estarreceu o mundo com os assassinatos sucessivos do presidente Carnot, da França, do rei Humberto, da Itália, e do presidente McKinley, dos Estados Unidos, além de outras altas autoridades. O atentado político que matou o herdeiro do trono da Áustria, o arquiduque Francisco Fernando, em Serajevo, na Bósnia, como se sabe, é considerado a causa imediata do irrompimento da Primeira Grande Guerra (1914-1918).
Apesar da extensão política desses atos terroristas, eram atentados a pessoas ou, quando muito, a grupos; não chegavam a comprometer a estrutura básica do Estado. O que estamos assistindo, desde o ataque terrorista às torres do World Trade Center, em Nova York, e ao Pentágono, em Washington, é uma nova forma de terrorismo, um neoterrorismo, que ameaça a segurança estrutural, física e humana do Estado.
Os Estados Unidos, com todo o seu extraordinário poderio bélico, não sabem como se defender das ameaças desse neoterrorismo contra o seu território.
Desde a agressão de 11 de setembro último, a nação norte-americana vive em clima de sucessivos "estados de alerta". O medo e a inquietação maltratam a população. Nestes últimos dias, o próprio presidente Bush, o vice-presidente Cheney e o secretário de Estado Colin Powell têm vindo a público anunciar o perigo de um próximo ataque do neoterrorismo aos Estados Unidos.
A CIA e o FBI teriam detectado, segundo a emissora de televisão ABC, reuniões dos grupos terroristas Hamas, Hizbollah e Al Qaeda, destinadas a montar, em conjunto, novos atentados ao território norte-americano. Trata-se da primeira informação sobre ligações operacionais do grupo em atuação contra Israel com o grupo Al Qaeda, filiado a Bin Laden.
Recentemente a prisão do cidadão norte-americano José Padilla, convertido ao islamismo, tendo adotado o novo nome de Abdullah Al Muhajir, aumentou as suspeitas de que novos ataques estão sendo planejados. Padilla, preso quando desembarcava no aeroporto de Chicago, em avião vindo da Suíça, é acusado de estar envolvido num complô ligado à Al Qaeda, visando o lançamento de "bombas sujas", de ação radioativa de efeito limitado, em território norte-americano.
Adverte o professor William Perry, ex-secretário da Defesa, em artigo publicado na "Foreign Affairs" (novembro/dezembro de 2001), que o grande interesse pelo projeto de defesa antimíssil não deve obscurecer o estudo das hipóteses de armas de destruição em massa poderem ser transportadas em barcos e pequenos aviões e introduzidas clandestinamente em território nacional. Os alvos escolhidos para o previsível próximo ataque seriam locais que provoquem grande repercussão mundial -por exemplo, a Estátua da Liberdade, as pontes que ligam a ilha de Manhattan (Nova York) ao continente, a Disneylândia.
Os últimos alertas vêm provocando desassossego e perturbações na atividade normal da população, tais como excesso de medidas de segurança, suspensões de vôos nos aeroportos e o fechamento temporário de vias importantes de trânsito, como aconteceu com a ponte do Brooklin, a principal via que liga Nova York ao continente.
O neoterrorismo é a nova tragédia que ameaça a tranquilidade e a paz da humanidade. O seu poder de agressão, dissimulado, imprevisível, torna inaptos os instrumentos clássicos de defesa dos Estados. Não restam dúvidas de que, diante da incapacidade da defesa, a proteção deverá se apoiar, principalmente, num eficiente sistema de inteligência, capaz de detectar e exterminar as ameaças antes que elas se concretizem.


Carlos de Meira Mattos, 88, general reformado do Exército e veterano da Segunda Guerra Mundial, é doutor em ciência política e conselheiro da Escola Superior de Guerra.


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