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São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A reforma da Previdência

ROBERTO BRANT

Quem guardou na lembrança a retórica de toda a vida do PT deveria esperar que o governo Lula revogasse toda a reforma da Previdência do governo Fernando Henrique. Mas, ao contrário, o novo governo adotou sem alterações o mesmo diagnóstico da previdência de seu antecessor e se propõe a concluir o que este deixara inconcluso.
Dando continuidade à reforma do PFL e do PSDB, e controlando com mão de ferro sua própria base parlamentar, o atual governo dispõe de virtual unanimidade para aprovar sua proposta. O projeto enviado ao Congresso enfrenta corretamente as questões estruturais do sistema público de Previdência e está sendo criticado justamente pelos seus acertos, e não pelos seus defeitos.
No entanto a reforma do governo Lula deixa alguns problemas sem solução e resolve outros imperfeitamente. Retoma a questão do teto para os vencimentos e as aposentadorias do serviço público, mas, ao fixar esse limite em R$ 17 mil, quando a média dos 20 milhões de benefícios do regime geral de Previdência não passa de R$ 382, apenas legitima as desigualdades existentes. Esse valor é uma iniquidade em um país como o nosso. Se não podemos fazer uma verdadeira mudança, não devemos fazê-la.
No diagnóstico que hoje o governo Lula compartilha com seu antecessor, os dois grandes problemas da Previdência pública, que a tornam fiscalmente insustentável e extremamente injusta para a população, são a aposentadoria integral (calculada pelo último salário) e a paridade entre ativos e inativos. A proposta abole a paridade, mas sua solução para pôr fim à aposentadoria integral parece conter uma armadilha. Ela dispõe que o cálculo da aposentadoria dos atuais servidores considerará as remunerações que serviram de base para as contribuições efetuadas.
A dificuldade é que os servidores da União só contribuem para a sua Previdência há dez anos, e há Estados que até hoje não cobram nenhuma contribuição. Como os salários de contribuição terão de ser atualizados e como, nos últimos anos, os reajustes nominais de vencimentos têm sido menores que a inflação, é possível que a aplicação da nova regra resulte em aposentadorias mais altas que o último salário nominal. Se, em vez de se considerarem apenas os dez anos de contribuição de fato, forem levados em conta todos os salários do servidor ao longo de sua vida funcional, durante a qual tivemos diferentes moedas, cujo valor atual é de determinação controversa, estaremos diante de algo muito próximo do caos.


O projeto enviado ao Congresso enfrenta corretamente as questões estruturais do sistema público de Previdência


O regime proposto para os futuros servidores é igual ao do setor privado, mas não é obra deste governo. É apenas o que está disposto no par. 14 do art. 40, com a redação dada pela emenda nš 20, na Constituição de 1988. O novo regime não entrou em vigor até hoje porque sua vigência ficou condicionada à aprovação de lei complementar, que o regulamentasse. Essa lei complementar (PLC 9) tramita na Câmara há mais de dois anos e não foi aprovada devido à oposição do PT e de seus aliados.
O que o governo propõe agora não é a aprovação do PLC 9, com sua equilibrada regulamentação do novo regime; é a simples revogação da exigência de lei complementar. Não aprovando o PLC 9, o governo evita o constrangimento de votar uma lei à qual seus parlamentares se opuseram por dois anos. Mas abre mão do grande progresso fiscal assegurado pelo projeto, ao determinar que os fundos de pensão dos servidores públicos somente podem instituir planos de benefício na modalidade de contribuição definida. Com a solução adotada, não apenas os fundos poderão instituir planos de benefício definido, abrindo as portas para a formação de novos passivos fiscais no futuro, como Estados e municípios poderão regular livremente seus regimes, deixando aberta a possibilidade de formas de regulamentação que anulem os efeitos da reforma.
O último -pelo menos aparentemente- equívoco da proposta de reforma é a elevação do teto dos benefícios do regime geral de Previdência para R$ 2.400. Essa elevação não beneficia os segurados do INSS, pois a primeira aposentadoria desse valor será concedida por volta do ano 2030; até lá, no entanto, todos os trabalhadores com renda superior ao atual teto vão pagar uma contribuição 55% maior. O próprio governo reconhece um aumento de receita de quase R$ 2 bilhões por ano, sem contrapartida à vista no custo dos benefícios.
Mas essa elevação serviu também para tornar mais palatável o regime dos novos servidores e para atender à CUT, que queria um teto de quase R$ 5.000, numa prova de quão longe certas lideranças sindicais se encontram dos brasileiros reais, os da Previdência do INSS e os "sem-Previdência". Como a contribuição individual dos segurados cobre apenas 30% do custo dos benefícios, sendo os restantes 70% cobertos pelos impostos pagos por todos, quanto maior o teto dos benefícios, maior será a injustiça do sistema.
Apesar desses defeitos, a reforma do governo será um passo à frente, se for resguardada em sua essência, sem alterações que a desfigurem. Para se manterem fiéis ao seu passado, PFL e PSDB deveriam impedir essas alterações.

Roberto Brant, 61, bacharel em direito, é deputado federal pelo PFL-MG. Foi ministro da Previdência e Assistência Social (2001-2002).


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