São Paulo, sábado, 17 de junho de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O governo brasileiro deve retomar as obras da usina nuclear de Angra 3?

SIM

O momento do sim é agora

OTHON PINHEIRO DA SILVA

O SISTEMA ELÉTRICO brasileiro é um caso único no mundo.
Cerca de 90% de toda a eletricidade produzida no país é de fonte hídrica. É uma dádiva da natureza que depende dos ciclos dessa própria natureza. A vazão dos rios varia nas estações de cada ano e anos secos ocorrem em ciclos de cinco a dez anos. Foi o caso de 2001, ano do "apagão". Para fazer frente a esses ciclos naturais é necessário ter uma "poupança de água" em lagos reservatórios. É a forma de garantir a estabilidade da potência hidrelétrica.
Nos últimos 20 anos, a geração das hidrelétricas vem crescendo, mas praticamente sem aumento no volume dos reservatórios. Essa tendência vai se agravar no futuro. Grandes reservatórios na Amazônia são inviáveis do ponto de vista social e ambiental. E é para lá o caminho incontornável da expansão do sistema. Teremos cada vez menos "poupança".
Por isso vivemos uma "transição hidrotérmica". Desde o fim dos anos 90, temos de usar cada vez mais usinas térmicas para entrar na seca com os reservatórios cheios.
O imenso potencial hídrico do país permitirá que a hidroeletricidade renovável permaneça por muitas décadas como a principal componente do portfólio de fontes do sistema elétrico. Mas a complementação térmica será cada vez mais imprescindível.
A expansão da contribuição de outras fontes renováveis -eólica, solar e biomassa- deverá ser a máxima possível. Porém todas as fontes renováveis dependem dos ciclos da natureza e requerem complementação térmica para os períodos em que não estão plenamente disponíveis.
O Brasil foi também privilegiado pela natureza com fontes térmicas. Temos urânio, carvão, biomassa, gás natural e petróleo. Fator de utilização, abundância em território nacional, logística de aprovisionamento, preço, impacto ambiental e outros usos (transporte, indústria) determinarão a contribuição relativa de cada uma para a complementação térmica.
O urânio não tem outro uso fora a geração elétrica. O Brasil possui a sexta maior reserva de urânio do mundo, tendo prospectado só um terço de seu solo e apenas na camada superficial (100 metros). As cerca de 250 mil toneladas das jazidas de Lagoa Real (BA) e Santa Quitéria (CE) correspondem ao dobro de todas as reservas de gás da Bolívia.
A essa riqueza, soma-se a riqueza intelectual conquistada pelos brasileiros. Temos o domínio de todas as etapas de produção do combustível nuclear e capacitação em projeto, construção e operação de usinas nucleares. É um patrimônio tecnológico disponível em pouquíssimos países.
O preço do MWh gerado por Angra 3 estimado pelo MME (Ministério das Minas e Energia) e já apresentado ao CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) é de R$ 138,14. É um valor inferior ao preço máximo atingido por usinas térmicas no leilão de energia da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) de dezembro (R$ 140). O investimento por kW médio a ser gerado por Angra 3 é de R$ 7.000, dentro da faixa das novas hidrelétricas oferecidas nesse mesmo leilão (R$ 5.500 a R$ 8.500).
Dotada de um sistema de instrumentação e controle digital, Angra 3 será construída com base nas mesmas tecnologias de mais de 30 usinas nucleares em construção hoje no mundo. Sua operação terá um mínimo impacto sócio-ambiental em termos de uso do solo, necessidade de novas linhas de transmissão e produção de gases de efeito estufa. Próxima aos maiores centros consumidores, terá importante contribuição para a estabilidade do sistema elétrico nacional.
Como no caso de Angra 1 e Angra 2, os rejeitos gerados pela operação de Angra 3 serão armazenados de forma segura e fiscalizada em depósitos dentro da própria central nuclear, ao longo de toda a sua vida útil, que é de 60 anos. Esse prazo será mais que suficiente para que a CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), responsável legal pela disposição definitiva dos rejeitos nucleares no país, implante repositórios com base na melhor tecnologia disponível no momento em que esses se fizerem indispensáveis. Providências para isso já estão sendo tomadas, em convênio com a Eletronuclear.
O Plano Decenal de Expansão de Energia do MME 2006-2015 planeja a operação de Angra 3 para 2013. Seu prazo de conclusão é de seis anos e meio. Fazendo as contas, estamos exatamente no momento do sim.


OTHON PINHEIRO DA SILVA, 67, engenheiro naval, diretor-presidente da Eletronuclear, foi o gerente responsável de 1979 a 1994 pelo Programa de Enriquecimento de Urânio com Ultracentrífugas Brasileiras e pelo Programa de Propulsão para o Submarino Nuclear Nacional.

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