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TENDÊNCIAS/DEBATES
O governo brasileiro deve retomar
as obras da usina nuclear de Angra 3?
NÃO
Por um programa nuclear brasileiro
JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO
O PRINCIPAL ARGUMENTO dos
defensores de Angra 3 é o de
que "já foram gastos US$ 750
milhões na obra, quantia que será
desperdiçada, caso se rejeite a conclusão do projeto". Esse argumento é superficial, pois, se Angra 3 entrar em
operação, o prejuízo aumentará na
medida da diferença entre seus custos de geração e os das hidrelétricas.
Cálculos feitos por técnicos do ONS
(Operador Nacional do Sistema) indicam que o custo marginal médio para
a expansão do sistema hidrelétrico é
de aproximadamente R$ 80/MWh,
enquanto o custo de geração de Angra
3 está em torno de R$ 144/MWh. Assim, em cada ano de operação, Angra
3 oneraria o sistema com um acréscimo de custos da ordem de R$ 470 milhões, em relação ao que seria gasto
na construção de novas hidrelétricas,
com uma potência equivalente.
E nem falemos que o investimento
na construção de uma obra desse porte sempre excede o valor orçado, o
qual, para Angra 3 é de US$ 1,8 bilhão.
O Brasil não precisa macaquear o
exemplo da França, onde quase 80%
da eletricidade vêm de usinas nucleares, que, aliás, estão chegando ao fim
de suas vidas úteis. Para isso, desenvolveu-se naquele país um modelo de
reator que, além de ser intrinsecamente seguro, é mais econômico.
Ainda assim, é claro que, se pudessem, os franceses, que sempre se destacaram pela inteligência, prefeririam instalar usinas hidrelétricas,
que são ainda mais seguras e econômicas. Mas isso é impossível, porque
eles já aproveitaram todo o seu potencial hidrelétrico, enquanto nós
aproveitamos apenas 30% do nosso.
Os interessados em Angra 3 afirmam que "a decisão de concluir a
obra é fundamental para treinar pessoal e dar continuidade ao programa
nuclear brasileiro". Ocorre que usinas nucleares são construídas para
gerar eletricidade e, para isso, basta
que sejam operadas por profissionais
qualificados, como os que operam
Angra 1 e Angra 2, não cabendo a eles
a atribuição de projetar novas usinas.
Diga-se de passagem que esses profissionais são permanentemente renovados, com os novos que chegam e
são treinados pelos "sêniors".
Construir Angra 3 equivaleria a
comprar um moderno Boeing, que
pode ser muito bem pilotado por pilotos formados no Brasil. Mas esses pilotos não têm preparo para projetar e
construir aviões. De fato, as companhias aéreas brasileiras sempre compraram e operaram aviões modernos,
mas a indústria aeronáutica brasileira só nasceu com a criação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, que
estimulou a criação da Embraer.
Analogamente, a capacitação brasileira para fazer o projeto básico, desenvolver os materiais, desenhar e
construir uma usina nuclear, só virá
quando o governo, em vez de comprar
projetos no exterior, como o de Angra
3, entregar aos nossos centros de excelência a responsabilidade de desenvolver e construir um protótipo e
adaptá-lo para escala industrial.
Os centros de que falo são, especialmente, o Ipen (Instituto de Pesquisas
Energéticas e Nucleares de São Paulo) e o CTM-SP (Centro Tecnológico
da Marinha) em Aramar, nos quais
desenvolveu-se a tecnologia brasileira de enriquecimento de urânio.
Por fim, alegam os defensores de
Angra 3 que "o término da obra permitirá que o país complete a fábrica
de enriquecimento de urânio, em Rezende, e alcance a auto-suficiência na
produção do combustível nuclear".
Nada impede que a fábrica seja
completada e que o governo compre
parte de sua produção, para acumular
estoque estratégico de urânio enriquecido a 3%, que é impróprio para
construir bombas, porém importantíssimo para ser usado mais tarde, nas
usinas desenvolvidas em um legítimo
programa nuclear brasileiro.
JOAQUIM F. DE CARVALHO, 70, mestre em engenharia
nuclear, foi diretor da Nuclen (atual Eletronuclear)
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