São Paulo, sexta-feira, 17 de junho de 2011

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Editoriais

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Corrupção em campo

Decisão de afrouxar controles e tornar sigilosos gastos das obras da Copa e da Olimpíada deve ser revista, sob risco de facilitar desfalque nas contas

Corrupção e fraudes são pragas corriqueiras em obras públicas no Brasil. O governo federal conhece bem essa realidade. Parece mais empenhado em ocultá-la, contudo, do que em combatê-la.
Só assim pode entender-se o duplo golpe que acaba de desferir na fiscalização dos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.
De um lado, abranda os mecanismos de controle, ao abdicar da Lei de Licitações para realizar a concorrência das futuras obras. De outro, torna sigilosas as informações sobre custos, dificultando a detecção dos descalabros.
A pretexto de imprimir rapidez às obras, medida provisória aprovada pela Câmara dos Deputados criou o RDC (Regime Diferenciado de Contratações).
O sistema implica abrir mão de uma série de cautelas. Permite a contratação por "empreitada", na qual, em vez de discriminar serviços, as construtoras fixam o valor global da obra e se responsabilizam por eventuais contratempos.
Isso pode, de fato, agilizar a construção. Mas deve, também, encarecer os trabalhos, ao embutir os custos dos entraves. A contrapartida deveria ser mais transparência, não menos.
Na undécima hora, porém, o texto da MP foi alterado. Onde antes se dizia que "em qualquer caso" o orçamento da obra ficaria sempre disponível aos órgãos de controle interno e externo, após o resultado da licitação, a nova redação deixou explícito que tal informação "possuirá caráter sigiloso e será disponibilizada estritamente a órgãos de controle".
Com isso, instituições fiscalizadoras como o TCU (Tribunal de Contas da União) ficariam impedidas de divulgar o valor real.
O precedente dos Jogos Pan-Americanos, em 2007, é alarmante: houve aumento de quase 800% nos custos. De R$ 410 milhões, em 2002, a conta fechou em R$ 3,7 bilhões. Sob sigilo, Copa e Olimpíada seguirão no mesmo caminho e irão muito mais longe.
O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), justificou a adoção dos meios obscuros com a velha conversa dos fins virtuosos. Disse que "temerário é não ter a Copa".
O país foi definido como sede da Copa de 2014 em outubro de 2007. Nesses três anos e sete meses, quase nada se fez. A inoperância e a ineficiência concorrem, como de hábito, para patrocinar o campeonato de interesses escusos.
A MP do sigilo ainda sofrerá análise do Senado, onde se espera que seja alterada. Do modo como está, propicia desfalque mais que previsível nos cofres públicos.
O segredo nunca teve serventia para impedir as fraudes e a corrupção, só para acobertá-las.


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