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Debates
OTAVIO FRIAS FILHO
Foi a partir da abertura política dos
anos 70 que se fixou a moda dos debates. Descobriu-se que qualquer tema,
do prosaico ao estratosférico, poderia
ser objeto de um "debate". Interessava à oposição de esquerda, então dominante nos meios culturais, expressar-se sob o manto da pluralidade de
enfoques.
O debate era produto também da revolução informal e espontaneísta de
68. Ele substituiu toda uma procissão
de rituais públicos e codificados que
eram de praxe até mais ou menos
1964: banquetes, discursos, desagravos e sobretudo conferências, muitas,
sobre a cura do câncer, discos voadores ou o tabu da virgindade.
O regime militar (64-85) propiciou o
massacre não só das instituições políticas, mas de toda uma flora de usos e
costumes associados à respeitabilidade hierárquica, burguesa e católica. E,
depois de 68, no mundo inteiro cada
opinião passou a valer mais por sua
experiência intrínseca do que por critérios de autoridade.
Daí que o debate tenha substituído a
conferência, na vida pública, da mesma forma e pelas mesmas razões que
no ambiente acadêmico a aula progressivamente cedeu lugar ao seminário, atendendo-se ainda, em grande
parte dos casos, além das demandas já
mencionadas, à mais universal das
leis, que é a do menor esforço.
Esforço não apenas de quem elabora
um discurso qualquer, mas de quem
se dispõe a ouvi-lo: já se disse que a
nossa época sofre de um déficit crônico de atenção. Claro que há seminários e debates excelentes, ainda que
raros; óbvio que o debate é imprescindível entre especialistas, que mantêm
seus códigos em comum.
O que evidentemente se perdeu, por
causa da fragmentação incessante, foi
a possibilidade de uma linguagem
compartilhada entre leigos. O debate é
muitas vezes uma pantomima de autismos por parte dos debatedores entre si, do moderador (que raramente
atenta ao que eles dizem) e de um público impaciente ou absorto.
Quanto maior o isolamento de cada
um, tanto mais forte o desejo de se
"comunicar". Muitas pessoas vão a
debates com o exclusivo propósito de
exprimir, na cacofonia de tanta pluralidade, sua voz "autêntica" e nem
sempre disparatada, apenas incomensurável com as demais. A mecânica da
"mesa" se prolonga, assim, na platéia.
Nossa atenção é solicitada de modo
descontínuo e intermitente; ganhamos em versatilidade mental, mas
perdemos a capacidade de concentração dos nossos antepassados, manifesta na sua incrível aptidão para ouvir, ler e até para decorar. Não é mais
costume estudar livros ou clássicos,
mas "textos", eufemismo para trechos.
Não é possível fazer a roda do tempo
retroceder, nem seria animador voltar
à época das palestras empertigadas.
Mas poderíamos fomentar um mínimo de unidade de linguagem em meio
às nossas referências tão aleatórias e
pedir um pouco mais de sincero gosto
pelo diálogo por parte da "mesa" e
da audiência.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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