São Paulo, quinta, 17 de julho de 1997.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A importância de ser segundo

OTAVIO FRIAS FILHO

A transferência do jornalista Boris Casoy do SBT para a Record parece implicar uma mudança na estratégia das duas redes. A emissora de Silvio Santos abriria mão de disputar a opinião de classe média com a Globo para voltar-se ao ambiente popular, de onde surgiu e de onde a Igreja Universal tenta agora emergir.
Sempre concessivo em relação ao senso comum, e no entanto contundente na distribuição de seu famoso anátema -"é uma vergonha!"-, Casoy equilibra-se a meio caminho entre opinião popular e de elite, "povão" e burguesia. Tornou-se, por isso, um personagem nacional, temperado pela bonomia de suas piadas no ar.
A proeza da fusão que ele conseguiu plasmar no seu caso pessoal somente a Globo praticou em escala estratégica, de rede: essa é a verdadeira razão de seu sucesso. Respeitável o bastante para embasbacar a classe média, popular o bastante para liderar a audiência, ela é o centro de gravidade de um país que são dois.
A maioria pesa por força demográfica. Mas dada a desestruturação popular (educação, saúde etc.), a opinião de classe média tem um peso desproporcional e acaba prevalecendo: tradição brasileira que Collor e Quércia tiveram de aprender na própria pele. É a classe média quem decide, como sempre intuíram os militares.
Ao que tudo indica, Silvio Santos não compartilha dessa intuição, o que é bom para a Globo. Mas como o preço da liderança é a eterna paranóia, Edir Macedo já dá sinais de que resolveu experimentar a idéia. Estava certo o Jardim Botânico quando identificou o inimigo, há poucos anos, não no homem do baú, mas no bispo?
O "bispo", como decidiu chamá-lo parte da imprensa, testou suas forças no episódio recente que culminou com o assim chamado "chute na santa", quando se viu forçado a suspender fogo e recuar. À sua frente rugiam os exércitos do establishment capitaneados pela Globo com ares de vestal, uma experiência inédita.
Pode ser que Silvio Santos seja um empresário imediatista, mas o enriquecimento de Edir Macedo se apóia em todo um mecanismo, altamente organizado, de ascensão social. O que confunde é que ele chamou a coisa de igreja. É mais exatamente uma rede de franchising que usa a dura metodologia dos Alcoólatras Anônimos.
Terá ele aprendido a lição da classe média? Tudo isso seria, talvez, assunto confinado às revistas de televisão, não fosse o fato de que a desestruturação brasileira não é social apenas, é cronológica também. Saltamos do arado para a telinha, como gostam de dizer, passando pouco pelo livro, pelo espetáculo, pela orquestra.
Em países onde houve tempo para que o cultivo desses hábitos se enraizasse, o público está mais protegido da radioatividade da TV. Não é o nosso caso, o que torna a onipotência da Globo duplamente nociva e ainda mais aconselhável que sua hegemonia fosse melhor compartilhada. Esse é o interesse da disputa pelo segundo lugar.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.