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A importância de ser segundo
OTAVIO FRIAS FILHO
A transferência do jornalista Boris
Casoy do SBT para a Record parece
implicar uma mudança na estratégia
das duas redes. A emissora de Silvio
Santos abriria mão de disputar a opinião de classe média com a Globo para voltar-se ao ambiente popular, de
onde surgiu e de onde a Igreja Universal tenta agora emergir.
Sempre concessivo em relação ao
senso comum, e no entanto contundente na distribuição de seu famoso
anátema -"é uma vergonha!"-,
Casoy equilibra-se a meio caminho
entre opinião popular e de elite, "povão" e burguesia. Tornou-se, por isso,
um personagem nacional, temperado
pela bonomia de suas piadas no ar.
A proeza da fusão que ele conseguiu
plasmar no seu caso pessoal somente
a Globo praticou em escala estratégica, de rede: essa é a verdadeira razão
de seu sucesso. Respeitável o bastante
para embasbacar a classe média, popular o bastante para liderar a audiência, ela é o centro de gravidade de um
país que são dois.
A maioria pesa por força demográfica. Mas dada a desestruturação popular (educação, saúde etc.), a opinião
de classe média tem um peso desproporcional e acaba prevalecendo: tradição brasileira que Collor e Quércia tiveram de aprender na própria pele. É
a classe média quem decide, como
sempre intuíram os militares.
Ao que tudo indica, Silvio Santos
não compartilha dessa intuição, o que
é bom para a Globo. Mas como o preço da liderança é a eterna paranóia,
Edir Macedo já dá sinais de que resolveu experimentar a idéia. Estava certo
o Jardim Botânico quando identificou
o inimigo, há poucos anos, não no
homem do baú, mas no bispo?
O "bispo", como decidiu chamá-lo
parte da imprensa, testou suas forças
no episódio recente que culminou
com o assim chamado "chute na santa", quando se viu forçado a suspender fogo e recuar. À sua frente rugiam
os exércitos do establishment capitaneados pela Globo com ares de vestal,
uma experiência inédita.
Pode ser que Silvio Santos seja um
empresário imediatista, mas o enriquecimento de Edir Macedo se apóia
em todo um mecanismo, altamente
organizado, de ascensão social. O que
confunde é que ele chamou a coisa de
igreja. É mais exatamente uma rede de
franchising que usa a dura metodologia dos Alcoólatras Anônimos.
Terá ele aprendido a lição da classe
média? Tudo isso seria, talvez, assunto confinado às revistas de televisão,
não fosse o fato de que a desestruturação brasileira não é social apenas, é
cronológica também. Saltamos do
arado para a telinha, como gostam de
dizer, passando pouco pelo livro, pelo
espetáculo, pela orquestra.
Em países onde houve tempo para
que o cultivo desses hábitos se enraizasse, o público está mais protegido
da radioatividade da TV. Não é o nosso caso, o que torna a onipotência da
Globo duplamente nociva e ainda
mais aconselhável que sua hegemonia
fosse melhor compartilhada. Esse é o
interesse da disputa pelo segundo lugar.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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