|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
A reforma do Judiciário deve instituir a súmula vinculante?
SIM
Súmula vinculante: por que não?
RENATO NALINI
O constituinte de 1988 foi o que
mais acreditou na solução judicial
dos conflitos. Na Constituição cidadã,
outorgou relevante função à Justiça, e
resultado disso foi a invulgar proliferação de processos que inundaram todos
os tribunais.
A Justiça brasileira padece de um paradoxo: por ser considerada pelos litigantes via essencial e insubstituível de
resolução de controvérsias, recorre-se a
ela com intensidade cada vez maior.
Justamente por isso ela se converte em
serviço público disfuncional, lento e desacreditado.
A única mácula -por todos reconhecida- do equipamento estatal encarregado de administrar o justo é a lentidão.
A sociedade caminha num ritmo próprio, sob o signo da velocidade. Para a
Justiça o ritmo é outro. A prestação jurisdicional se submete a outro padrão
temporal. Não fora o processo uma
ciência reconstrutiva do passado, única
dimensão familiar ao Judiciário.
Na busca de remédios para o descompasso entre os reclamos da sociedade,
ávida por uma prestação mais oportuna, e a capacidade de resposta do Judiciário, acena-se com a receita da súmula
vinculante.
As súmulas já existem no direito brasileiro e sinalizam a orientação predominante dos tribunais. Depois de continuadas decisões no mesmo sentido, o
colegiado sumula ou sintetiza o seu
pensamento a respeito de determinada
questão submetida a seu exame.
A novidade da reforma do Judiciário é
fazer com que a súmula, hoje meramente orientadora, venha a vincular a decisão dos demais juízes e tribunais. Sua
conversão em instrumento vinculante
para todos os juízes tornaria inviável a
sua inobservância em todo o território
brasileiro. A partir de sua edição pelo
STF, por um quorum mínimo de oito de
seus 11 ministros, ela se tornaria obrigatória para a administração pública e para os integrantes do Judiciário.
Importante observar que as atuais súmulas são observadas e quase sempre
seguidas pela magistratura. O juiz brasileiro já considera as súmulas, embora
não vinculantes, como seguro parâmetro de seus julgamentos. Grande número de decisões invoca precedentes jurisprudenciais como fator preponderante
de convencimento do prolator.
Melhor seria que o remédio adotado
fosse a súmula impeditiva de recursos.
Ela teria o mesmo efeito da súmula vinculante, pois não se poderia recorrer de
decisão coincidente com o teor da súmula. Com a vantagem de que tal opção
preservaria a liberdade plena de apreciação de todo o julgador. Não haveria
questionamento a respeito da submissão da independência do juiz à vontade
da cúpula nem sacrifício do dogma de
seu sadio e livre convencimento. Mas, à
impossibilidade do ideal, fique-se com
o possível. É a reação do constituinte derivado à aparente insolubilidade do
problema das lides repetidas e que tomam ao juiz brasileiro tempo precioso
por ele subtraído ao conhecimento de
questões novas. Um trabalho repetitivo,
artesanal, hoje de cópia digitalizada e
contida nos acervos eletrônicos, sem
nenhuma criatividade.
A rigor, a utilização da súmula liberaria a comunidade jurídica do enfrentamento de questões idênticas e já decididas. A súmula não é ferramenta de libertação do juiz. É tentativa de obviar a
necessidade de repetição de processos
idênticos e que já mereceram apreciação do Judiciário. Parece contra-senso
reiterar pedido já formulado, percorrer
todas as instâncias e suas vicissitudes,
com a exata pré-ciência de qual será o
resultado final.
As teses sumuladas serão apenas
aquelas emblemáticas, originadas de
questões quais as tributárias, fiscais ou
previdenciárias e de potencialidade
multiplicadora de lides. Questões insuscetíveis de interpretação objetiva e próxima ao consenso, quais as criminais e
de família, nunca serão objeto de súmula. Há de confiar no discernimento da
Suprema Corte, que se utilizará com
parcimônia da atribuição sumular.
Não é todo e qualquer tema que merecerá sumulação. Antes disso, muitos
juízes e tribunais já terão se debruçado e
se manifestado sobre a questão posta
em juízo.
Em síntese, houvesse a Justiça cuidado de simplificar o julgamento de questões superadas, de maneira a conferir
ritmo de maior celeridade a tais processos, o constituinte não recorreria a instrumentos polêmicos, mas aparentemente eficazes, de obviar a multiplicação de ações repetidas.
Um aspecto de inegável benefício da
súmula vinculante é que ela obrigará
também a administração pública. Basta
esse fator para legitimar a auspiciosa
previsão de sensível redução dos processos que têm por móvel inicial a resistência do poder público em atender às
decisões judiciais.
José Renato Nalini, 58, mestre e doutor em direito constitucional pela USP, juiz, é presidente
do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São
Paulo e membro da Comissão de Reforma do Judiciário da Secretaria Especial do Ministério da
Justiça.
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Luiz Flávio Borges D'Urso: Retrocesso
Índice
|