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Editoriais
Investigação ameaçada
Impressões digitais de "operação-abafa" contra atuação da PF, de tão evidentes, levaram Lula
a intervir no assunto
A OPERAÇÃO Satiagraha
dá ensejo a espetáculos
constrangedores no alto poder federal. Anteontem, diante das câmeras, o
presidente do Supremo Tribunal
Federal, Gilmar Mendes, e o ministro da Justiça, Tarso Genro,
apresentaram-se na louvável
tentativa de apaziguar tensões
que os dividem desde a prisão de
Daniel Dantas.
Louvável, mas inconvincente.
Talvez fosse necessário um especialista em leitura fisionômica
para saber qual dos dois emerge
como o maior derrotado do encontro que tiveram, pouco antes,
com o presidente Lula.
O presidente do STF decidiu
legitimamente pelo habeas corpus. Não se satisfez, entretanto,
com a decisão jurídica; avançou,
para depois recuar, contra um
juiz de primeira instância que tinha entendimento diverso. Nada
do que disse na entrevista coletiva da terça-feira redimiu os excessos retóricos de seu desempenho no caso.
Tarso Genro, que tem esperanças de surgir como candidato à
Presidência, sofreu novo desgaste. É capaz, como se sabe, de bravatas político-jurídicas ao gosto
dos que pedem punição sumária
a suspeitos. Foi assim que manifestou confiança na condenação
de Dantas, com mais espírito de
oportunismo político do que autoridade para declarar o que
quer que fosse nesse sentido.
Tanto entusiasmo de Genro
com a ação policial, porém, foi logo solapado pela notícia do afastamento de três delegados do caso. O mais célebre deles deixou
transparecer preconceito e ideologia num documento que se esperava técnico.
Ainda assim, e apesar dos abusos de que a ação se cercou, o balanço da operação da PF foi positivo. A saída dos agentes que a
desencadearam, justamente
quando o noticiário policial flagra um assessor do presidente da
República em conversas e atitudes no mínimo inconvenientes,
não reconforta os interessados
na lisura institucional.
As impressões digitais de uma
"operação-abafa" foram tão evidentes que obrigaram Lula a um
de seus malabarismos retóricos.
O delegado teria agora, segundo
disse ontem o presidente, a obrigação "moral" de manter-se à
frente do inquérito.
A direção da Polícia Federal,
que não escondeu a contrariedade com a forma pela qual a Operação Satiagraha foi conduzida,
também soltou nota, confusa,
tentando eximir-se de responsabilidade pela saída dos agentes.
Um teria de fazer um curso em
Brasília, o que lhe tomaria o tempo hábil para dirigir a apuração;
os outros dois teriam alegado razões pessoais. A defecção tripla, a
crer no governo, seria portanto
uma daquelas coincidências explicadas, quem sabe, por um alinhamento raro entre os astros.
A opinião pública, como se vê,
terá de redobrar a vigilância para
que as apurações policiais possam prosseguir em meio tão adverso, doa a quem doer. Será necessário que a sociedade se mantenha firme na posição de quem
não se deixa iludir, não aceita
conluio para evitar a investigação de poderosos, não teme revelações da imprensa e não considera "abuso de autoridade" a exposição dos bastidores inconfessáveis do poder.
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