São Paulo, sexta-feira, 17 de julho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES


Poderosos perdulários

ROBERTO MUYLAERT


Que tal estabelecer valores mais palatáveis na legislação trabalhista, de tal forma que não interesse a ninguém ficar na informalidade?


CONHECI ARTHUR Laffer na Califórnia, década de 70. Um economista de direita, com características peculiares. Acordava às 5h de Los Angeles para acompanhar a abertura do pregão em Nova York. E toda manhã dava um beijo na língua de um papagaio que tinha em casa.
Ele ficou conhecido por sua Curva de Laffer, durante o período de economia bem-sucedida do presidente Ronald Reagan. Agora está meio na moda de novo.
A Curva de Laffer é fácil de entender a partir dos casos extremos: imposto zero, arrecadação zero; imposto com alíquota de 100%, arrecadação também zero (C). Nos casos intermediários, arrecadação proporcional aos aumentos de impostos, até um patamar em que a receita estabiliza e depois começa a cair (B), apesar das alíquotas crescentes. Com carga tributária de 35,8% do total das riquezas produzidas no país, o Brasil está há muito na zona de decréscimo da arrecadação possível, por excesso na cobrança de impostos, função do tamanho do Estado.
A constatação é fácil a partir do exemplo da redução do IPI na indústria automobilística, que levou a um recorde de vendas de carros no mês de junho, em meio à crise econômica. Portanto, o presidente Lula já sabe que diminuir impostos dá resultado.
É só prosseguir com a experiência, setor por setor, conferindo o resultado final da arrecadação, com impostos diminuídos e vendas estourando. O Bolsa Família já foi incorporado pelos empresários, que perceberam que aquela história de "ensinar a pescar, em vez de doar o peixe" requer um pré-requisito mínimo de saúde e resistência física do beneficiado, que só se adquire com uma mesada que permita a compra de alimentos básicos por algum tempo.
E do imposto pago para melhorar a vida do povo ninguém se queixa. O Bolsa Família representa só 1% do PIB, enquanto o governo como um todo leva 20,4%. O que é terrível é verificar o estrago causado pelo descontrole do dinheiro público, sem nenhum pudor, em todos os Poderes e entranhas da República, como o descalabro no Senado patrocinado por nós, contribuintes.
Claro que, quanto mais o governo arrecada, maior a possibilidade de que os abusos e as irregularidades cresçam junto. Assim como o número de funcionários públicos sem função, mas com polpudos salários.
A visão do PT sempre foi a de empregar o maior número possível de correligionários, capacitados ou não, como função social do partido, que atingiu o ápice no governo Lula, quando 300 mil novos empregos (civis e militares) foram criados, a um custo de R$ 100 bilhões por ano.
É bom lembrar que o governo não gera riquezas, mas as transfere, por meio dos impostos, de quem produz para si próprio.
A partir de agora, ao pensar em mais encargos para os contribuintes, o governo pode lembrar da Curva de Laffer, caso a caso, até chegar ao delicado desafio de mexer na CLT. Pelos elevados custos que gera, ela é responsável por enorme quantidade de empregos informais, que correspondem a epidêmicos 45% das empresas. Uma lei "imexível", pois trata de direitos garantidos desde 1943.
Getúlio Vargas criou a CLT em boa hora, pois as próprias empresas de então estabeleciam as regras ao contratar um trabalhador. E nós sabemos que conquistas desse tipo nunca são espontâneas no regime nada socialista da livre-iniciativa.
A partir dessa constatação, que tal estabelecer valores mais palatáveis na legislação trabalhista para empregados e empregadores, de tal forma que não interesse a ninguém ficar na informalidade, aumentando a arrecadação pelo enorme volume de novas carteiras assinadas que surgiriam?
Hoje, para um salário de R$ 10 mil, o funcionário recebe R$ 7,5 mil, e o empregador paga R$ 15,5 mil. Se os descontos forem razoáveis, ninguém deixará de registrar um funcionário, cujo salário líquido terá enorme ganho. Ao mesmo tempo, despenca a carga de processos, que asfixia a Justiça do Trabalho.
Mais recursos na mão do povo, que não joga dinheiro fora, menos na mão do governo, perdulário com as verbas que tira da gente. Há hoje uma deformação no uso da CLT, cuja função é amparar os trabalhadores menos protegidos: são executivos de salários altos, que não querem ser registrados, dão nota fiscal de suas próprias firmas, para receber salários sem descontos, até sair do emprego, quando abrem processo trabalhista por não terem sido registrados.
Em geral, ganham polpudas indenizações, graças à CLT. Mas não foi bem esse tipo de pessoas que Getúlio Vargas pretendeu defender em 1943.

ROBERTO MUYLAERT, 74, jornalista, é editor, escritor e presidente da Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas). Foi presidente da TV Cultura de São Paulo (1986 a 1995) e ministro-chefe da Secretaria da Comunicação Social (1995, governo FHC).


Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Luiz Eugênio Mello: Gastos e investimentos

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.