São Paulo, sexta-feira, 17 de agosto de 2007

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Não me canso de dizer

RICARDO YOUNG


Não aderi ao "Cansei" nem ao "Cansamos", mas entendo que um e outro expressam o descontentamento das pessoas com a situação atual


POR ENTRE o rescaldo da tragédia aérea de Congonhas e de outras tragédias cotidianas de nosso país, sopra uma brisa fresca. Mas seu sopro ainda é tão débil diante da comoção a que estamos submetidos que nem mesmo os mais argutos analistas conseguiram perceber a boa-nova: a sociedade civil brasileira, com seus defeitos e virtudes, sai aos poucos do marasmo a que se recolheu para mostrar de novo sua cara e afirmar que deseja ver implementadas mudanças estruturais em nosso país.
Quando não reagimos aos problemas, o Estado se torna inoperante e a população fica à mercê dos oportunistas de plantão, como pudemos verificar no episódio do PCC em São Paulo, no ano passado.
Por isso, recebo com otimismo os movimentos "Cansei" e "Cansamos".
Ressalto que não aderi a nenhum dos dois, mas entendo que um e outro expressam o descontentamento dos brasileiros contra o estado de coisas do jeito que é possível, com o nível de consciência, a organização e a esperança que restaram depois de tantos escândalos e desmandos.
Mais do que o cansaço, essas mobilizações representam a exasperação com a falta de solução para os problemas de sempre, com a inconseqüência e a insensibilidade de governos e instituições.
Graças a esses protagonistas "cansados", temos de volta o debate político centrado nas questões de interesse coletivo. Debate ainda pífio, diga-se de passagem, mas voltado para os problemas reais da sociedade, e não para arranjos os palacianos de todos os níveis.
Torço para que seja verdade o suprapartidarismo e a independência anunciados por ambos, pois é disso que o Brasil precisa neste momento.
Penso que o "Cansei" nasceu da comoção emocional causada pelo acidente aéreo de Congonhas de 17 de julho último, vitimando quase 200 pessoas. O "Cansamos" surgiu como reação ao primeiro, listando 17 motivos para o "cansaço", entre os quais a sonegação de impostos, o trabalho infantil, o trabalho escravo, as taxas bancárias, a superexploração e a precarização da força de trabalho, os juros altos e o superávit primário.
Como todo movimento autônomo, esses correm alguns riscos. O mais evidente é o de assumir esta ou aquela coloração partidária, tendo em vista as eleições municipais do próximo ano. É preciso definir os objetivos pelos quais se quer lutar e, a partir deles, ampliar as alianças e a participação de todos os segmentos.
Essa atitude evitará que se incorra em outro erro comum aos movimentos no Brasil: a "amnésia" política e social, o esquecimento de que nossa sociedade civil tem uma vitalidade muito grande e vem, principalmente ao longo das últimas três décadas, acumulando vitórias e derrotas numa série de mobilizações sobre temas recorrentes da cidadania.
Estão aí, vivas e bem atuantes, iniciativas como o Pensamento Nacional das Bases Empresariais, a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente, o Instituto São Paulo contra a Violência, o Movimento Educação para Todos, a Amigos Associados de Ribeirão Bonito, a Transparência Brasil, o Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, o Movimento Nossa São Paulo: Outra Cidade e o próprio Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, entre muitas outras.
Desde a década de 1970, quando se iniciaram as manifestações pela anistia e por liberdades democráticas, seguidas, nas décadas posteriores, pelo movimento das Diretas-Já e do impeachment, os brasileiros vêm se mobilizando em favor dos seus direitos e da cidadania. E não paramos mais desde então.
O "Cansei" e o "Cansamos" representam uma retomada dessas reivindicações não atendidas, mas agora num ambiente de frustração e de desconfiança em relação às instituições democráticas. Por terem um viés bastante espontaneísta, podem sobrar pelo caminho.
Tomara que não! Tomara que consigam estabelecer um núcleo mínimo de proposições que garanta alianças estratégicas e ampla participação, permitindo o aparecimento de novas lideranças que conduzam as mudanças tão ansiadas pelos brasileiros.
Como bem afirmou o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, nesta mesma Folha, "o Brasil precisa de homens públicos". Lideranças que saibam pôr as necessidades do país acima de sua ideologia ou de seu partido, e não o contrário, como tem ocorrido até agora.

RICARDO YOUNG SILVA , 50, empresário, é presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.

www.ethos.org.br

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