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São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

FMI e ideologia

O presidente Lula surpreendeu mais uma vez. Disse aos participantes do "terror argentino" de agosto de 2002 (os mesmos que levaram o Brasil ao FMI três vezes nos últimos quatro anos) que não iria transformar a continuação ou não dessa relação num problema "ideológico". É mais do que evidente que o governo se revelou cumpridor de seus compromissos, principalmente fiscais. É aceitável, apesar de discutível, a idéia de que, tendo o Brasil provado que aprendeu a caminhar com suas próprias pernas, aumentaria muito a sua credibilidade se decidisse navegar sozinho, encerrando o acordo.
Todos sabemos que a fração "jacobina" do PT até hoje não entendeu o papel do FMI. Continua a crer numa relação de "causa e efeito" entre a presença do FMI e as desgraças nacionais. Recusa-se a aceitar o fato desagradável de que o FMI só vem quando é chamado. E só é chamado quando a política econômica "independente" já quebrou o país. O exemplo mais evidente foi a sua intervenção em agosto de 1998, às vésperas da reeleição do presidente Fernando Henrique. Nada mais eficiente para produzir um imbróglio estomacal num jacobino do que dizer "vamos ao FMI". Ainda mais agora, com tantos "cientistas" (sócios remidos do velho clube...) afirmando, de ciência sabida, que isso é desnecessário!
O resultado das negociações com a Argentina, produto da pressão do Tesouro americano, está servindo de pano de fundo para que alguns sugiram a clássica fanfarronice: romper com o FMI! O PT sempre tratou o relacionamento com o FMI como um problema ideológico. Foi uma demonstração inegável da liderança de Luiz Inácio Lula da Silva afirmar diretamente à nação que isso é exatamente o que ele não vai fazer. Retoma, assim, a distância que sempre manteve dos velhos programas obscurantistas do PT-socialista...
O governo mostrou competência e habilidade no primeiro semestre do ano -trazendo uma inflação de "transição" de 30% ao ano para 6%. E mostrou uma coordenação até agora não reconhecida entre a política fiscal do ministro Palocci e a política monetária do doutor Meirelles. Eliminou-se a inflação, caminhou-se para o equilíbrio do balanço em conta corrente e colocaram-se em discussão no Congresso as reformas previdenciária e tributária. Não foi pouco. Combinado com a redução da taxa de juros real e a estabilização da taxa de câmbio, isso deverá melhorar o ambiente para uma pequena recuperação do consumo e, posteriormente, para um aumento dos investimentos.
Devemos manobrar para que nada impeça essa marcha -interna ou externamente. A renovação do acordo com o FMI, em termos adequadamente escolhidos, é um reforço de segurança. Além do mais, não se deve desprezar a hipótese de, para compensar a eventual falta de acordo com o FMI, os "novos sacerdotes" do Ministério da Fazenda e do Banco Central produzirem uma política autóctone super-FMI para garantir sua "credibilidade"... O que torna a renovação importante não é o aval à política econômica (que está correta e vai continuar), mas o complemento às nossas ridículas reservas de US$ 18 bilhões, porque, como dizem os italianos, "il tempo buono viene una volta sola"...
Dizer, como afirmam alguns, que "o acordo tem de ser de interesse nacional" é, positivamente, fazer pouco da inteligência do governo Lula...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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