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JOSÉ SARNEY
O Parlamento
e as raposas
A sobriedade do parlamento inglês foi submetida a uma prova
de bagunça. Nada mais nada menos
que por causa das raposas. Os tradicionais guardas vestidos de preto e cabeleiras brancas metidos num qüiproquó entre os caçadores de raposa que
não queriam deixar que o Parlamento
proibisse a sua caça e uma multidão
irada que fora gritava: "Queremos
matar raposa!". Os parlamentares de
dentro: "Raposa viva, sem cachorros
as perseguindo!".
Ninguém pense que isso é uma
questão tão simples. Os ingleses são
agarrados à sua tradição, e dela não
abdicam. E um dos mais antigos e
mais populares esportes nobres do
país é justamente a caça à raposa. Não
é uma caça simples. Primeiro, a raposa não pode ser morta a tiros. É um cerimonial que é preparado com muito
cuidado e elegância. Os caçadores reúnem-se, comemoram e orgulhosamente apresentam suas matilhas treinadas. Os "terriers" são os melhores.
Mas há os raposeiros, cachorros fortes
de patas pequenas. As raposas são
acuadas, e os ingleses, montados a cavalo, com a matilha em desabalada e
desordenada carreira, saem na caça
brutal até os cães alcançarem as raposas e fazerem a festa.
Mas os ingleses não gostam apenas
de caçar raposas. Eles, na Índia, faziam festas imensas nas caçadas de tigres, num ritual de perigo, matando-os com uma única bala. Essa caçada
era tão heróica que passou um provérbio para a língua inglesa quando se
desconfia de que alguém não seja gente séria. Então dizem: "Fulano não é
confiável, não pode ser convidado para uma caçada de tigre."
As raposas também não são tão inocentes nem destituídas de artimanhas.
Fingem-se de mortas e, quando vão
ser agarradas, voltam-se ferozes e lá
vai a mão de raposeiro. Se os homens
as caçam, elas caçam as perdizes, os
coelhos, as lebres e também gostam de
frutas, de uvas, de figos, de mel. São
cheias de malandragem e notívagas,
descobrem meios e modos de entrar
nos galinheiros e papar as galinhas
mais gordas.
Na literatura, muitos escritores foram seduzidos por elas. O mais conhecido deles é La Fontaine, que muito as
explorou. Em "A Raposa e as Uvas",
ele começa: "Certa raposa matreira /
que andava à toa e faminta / ao passar
por uma quinta / viu no alto da parreira / um cacho de uvas maduras". Já em
"O Leão Doente e a Raposa", esta escapa de ser comida porque, esperta,
viu que os bichos entravam e não voltavam. Outra fábula do La Fontaine é
"A Raposa e a Cegonha", em que a cegonha esperta levou a raposa a beber
água numa cantarão onde não entrava
seu focinho depois que a raposa serviu-lhe água num prato raso.
Esopo também foi tentado pela raposa e escreveu "A Raposa e o Corvo",
a famosa vaidade do corvo que, ao
cantar, deixou cair o queijo e a raposa
encheu a barriga.
E qual a moral a tirar da invasão do
Parlamento inglês pelos caçadores de
raposa? Quem vai ao mato sem cachorro não mata raposa.
E o Batman que invadiu o Palácio de
Buckingham que se cuide, pois pode
ser comido pelos cachorros da rainha,
e os guardas do Parlamento, pelas raposas do Partido Trabalhista.
Aureliano Chaves advertia aos políticos espertos: "O futuro de toda raposa é enfeitar o pescoço das mulheres."
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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