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A grande família
Demissão de Erenice Guerra alimenta suspeitas sobre a montagem de um balcão de negócios no ex-ministério da candidata Dilma Rousseff
A ministra Erenice Guerra, braço direito e substituta da petista
Dilma Rousseff na Casa Civil, não
resistiu a mais uma reportagem
com relatos acerca de atividades
de tráfico de influência e cobrança
de comissões supostamente praticadas por membros de sua família. A Folha trouxe, na edição de
ontem, a explosiva história de
uma empresa que afirmou ter sido
orientada a procurar a Capital
Consultoria, de um filho da então
secretária-executiva do ministério, para liberar um empréstimo
bilionário do BNDES.
Segundo os autores da denúncia, em conversas gravadas pela
reportagem, houve troca de e-mails com um assessor da Casa Civil e realizou-se uma reunião entre
representantes da empresa que
pleiteava o empréstimo e Erenice.
A firma do filho da ministra demissionária teria cobrado pelo
serviço seis pagamentos mensais
de R$ 40 mil, além de uma "taxa
de êxito" -um eufemismo para
propina- de 5% sobre o valor do
financiamento. Segundo as declarações, o pacote também incluiria
uma doação de R$ 5 milhões, supostamente para a campanha de
Dilma Rousseff.
Em síntese, de acordo com os
depoimentos colhidos pelo jornal,
um balcão de negócios, montado
no coração do Poder Executivo,
tentou vender facilidades para
uma empresa interessada em recursos bilionários do banco de fomento do governo federal -que
utiliza dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador na concessão
de crédito a juros subsidiados.
Para completar o descalabro,
segundo um dos entrevistados, o
ministério servia de guichê partidário com a finalidade de arrecadar fundos para a candidatura oficial. Em que pesem as negativas, o
pedido de demissão da ministra
reforçou conjeturas acerca de sua
participação nas tratativas.
O caso, que se reúne aos malfeitos reportados pela revista "Veja"
nesta semana, também lança dúvidas sobre o comportamento de
Dilma Rousseff e da própria Presidência da República. Todas as reportagens dão conta de que havia
uma quadrilha atuando sob o nariz do chefe do Executivo, em seu
mais próximo e estratégico gabinete -a mesma Casa Civil em que
se montou, no primeiro mandato,
o esquema do mensalão.
O episódio não deixa dúvida
quanto à crescente promiscuidade, no atual governo, entre interesses públicos e privados. Oito
anos de incrustação petista na
máquina pública foram suficientes para promover, além do conhecido loteamento fisiológico, a
partidarização sem precedentes
do Estado brasileiro.
O pequeno clã dos Guerra talvez
possa ser visto como uma espécie
de ilustração em miniatura de um
conglomerado maior, a grande família dos sócios do lulismo, formada por uma legião de militantes, aproveitadores e bajuladores
que parece ver no exercício das
funções públicas uma chance imperdível para enriquecer e perpetuar privilégios.
Infelizmente, essa espantosa
instrumentalização das estruturas
governamentais, em tudo compatível com o perfil estatizante, corporativo e arrivista do PT, tem encontrado na figura do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva o seu
principal fiador.
Inebriado com seus elevados
índices de popularidade, o mandatário é o primeiro a estimular a
impunidade e a minimizar os "erros" de seus companheiros.
Da compra do apoio de partidos
e parlamentares à violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, passando pela devassa no Imposto de Renda
de milhares de cidadãos, entre os
quais adversários políticos do PT,
tudo é atribuído a conspirações da
imprensa ou de "inimigos do povo"; nada é investigado a fundo.
Apurar, ao que tudo indica, não
é mesmo um verbo que se conjugue no Palácio do Planalto. Ali,
prefere-se iludir, tergiversar, apaniguar. Por isso mesmo é de esperar que ainda existam instituições
públicas com suficiente independência e iniciativa para proceder a
uma averiguação rigorosa desses
episódios.
Nesta hora em que as pesquisas
de intenção de voto apontam para
uma vitória acachapante da candidata oficial, mais do que nunca
é preciso estabelecer limites e encontrar um paradeiro à ação de
um grupo político que se mostra
disposto a afrontar garantias democráticas e princípios republicanos de forma recorrente.
O Brasil não pode ser confundido com uma espécie de "hacienda" da grande família petista.
Se não há evidências sobre a
participação de Dilma Rousseff
em desvios como os agora apontados, é inevitável questionar a escolha de Erenice Guerra para exercer as funções de secretária-executiva e, posteriormente, chefe da
Casa Civil da Presidência.
Ninguém mais do que Dilma sabia com quem estava tratando.
Faltou-lhe argúcia para perceber o
que se passava? Desconfiou, mas
não tomou providências? Tudo
não passa de um grande engano?
É preciso que se responda.
Há tempos o país vem assistindo à modelagem da figura pública
da postulante petista pelo presidente da República e seus propagandistas. Já é hora de o marketing dar lugar ao debate e ao questionamento. Os brasileiros precisam de informações que permitam aferir com mais acuidade as
virtudes e defeitos daquela a
quem Lula, em mais uma de suas
sintomáticas e infelizes metáforas, empenha-se em entronizar
como a "mãe" do país.
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