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OTAVIO FRIAS FILHO
Lula, Chávez, Mandela, Walesa
As semelhanças entre Lula e o
venezuelano Hugo Chávez se esgotam na falta de experiência governativa prévia e no fato de encarnarem
um protesto social represado há séculos. Em tudo o mais, as diferenças são
patentes e, se não saltam à vista de um
americano, por exemplo, não deveriam passar despercebidas pelo observador brasileiro.
A crise do modelo econômico pré-liberal, na Venezuela, ocorreu junto
com um desgaste sem comparação
possível na imagem de seu tradicional
sistema político, em que dois partidos
oligárquicos, AD e Copei, vinham se
alternando no poder desde a democratização dos anos 50. Chávez foi eleito a título de protesto frontal contra
esse sistema.
Como havia liderado um golpe frustrado contra o então presidente Carlos
Andrés Perez -um símbolo nacional
de corrupção-, e permanecido preso
na condição de suposto perseguido
político, não foi difícil a Chávez apresentar-se nas eleições como o líder
que afastaria as elites do poder, resgataria a população mais pobre e faria
uma nova democracia no país.
A principal diferença é que Lula
nunca tentou chegar ao poder pelo caminho do golpe e tem atrás de si um
partido orgânico, enraizado e que se
inclina hoje a posições de centro-esquerda. Foi justamente a ausência de
um tal partido, no caso venezuelano,
combinada à personalidade voluntarista e autoritária de Chávez, que empurrou o país ao impasse atual.
Seu governo enfrentou a resistência
dos setores organizados da sociedade.
Não foi capaz de debelar a crise que
empobrece a Venezuela há anos, o
que rapidamente desmanchou-lhe a
popularidade. Teve de se apoiar em
forças paralegais e nos "círculos bolivarianos", recrutados na arraia-miúda de Caracas, uma espécie de guarda
pretoriana civil.
Chávez reencena um ciclo tristemente clássico na América Latina. Líder popular chega ao poder em amplo
e espasmódico movimento de massas.
Promete mudanças, mas não dispõe
de forças articuladas que sustentem
seu programa. Tenta romper os limites da democracia representativa como forma de se agarrar ao poder. Faz-se ditador ou é deposto.
Caso o resultado das pesquisas se
mantenha até as urnas, um eventual
governo Lula terá a oportunidade de
superar esse ciclo, seja porque desta
vez existe um partido consistente a
respaldar a aventura, seja porque a
conjuntura dificílima que está emergindo vai forçá-lo a negociar e a manter, enquanto possível, um leque de
apoios de cunho transpartidário.
Se a comparação com Chávez vale
mais como contrapropaganda, outras
aproximações que se fazem, como entre a personagem de Lula e as de Mandela ou do polonês Lech Walesa, são
igualmente publicitárias (nesse caso, a
favor) e ainda mais sem cabimento.
De novo, o traço em comum é simbolizar amplo protesto social e só.
Walesa era um sindicalista católico
de direita que terminou por fazer um
governo desastroso, sucedido pelos
ex-comunistas. Mandela fez um governo de conciliação histórica, mas revelou-se dirigente dócil em relação
aos Estados Unidos e foi quem introduziu, na África do Sul, o pacote que
os petistas chamam -chamavam?-
de "neoliberal".
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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