São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 2002

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OTAVIO FRIAS FILHO

Lula, Chávez, Mandela, Walesa

As semelhanças entre Lula e o venezuelano Hugo Chávez se esgotam na falta de experiência governativa prévia e no fato de encarnarem um protesto social represado há séculos. Em tudo o mais, as diferenças são patentes e, se não saltam à vista de um americano, por exemplo, não deveriam passar despercebidas pelo observador brasileiro.
A crise do modelo econômico pré-liberal, na Venezuela, ocorreu junto com um desgaste sem comparação possível na imagem de seu tradicional sistema político, em que dois partidos oligárquicos, AD e Copei, vinham se alternando no poder desde a democratização dos anos 50. Chávez foi eleito a título de protesto frontal contra esse sistema.
Como havia liderado um golpe frustrado contra o então presidente Carlos Andrés Perez -um símbolo nacional de corrupção-, e permanecido preso na condição de suposto perseguido político, não foi difícil a Chávez apresentar-se nas eleições como o líder que afastaria as elites do poder, resgataria a população mais pobre e faria uma nova democracia no país.
A principal diferença é que Lula nunca tentou chegar ao poder pelo caminho do golpe e tem atrás de si um partido orgânico, enraizado e que se inclina hoje a posições de centro-esquerda. Foi justamente a ausência de um tal partido, no caso venezuelano, combinada à personalidade voluntarista e autoritária de Chávez, que empurrou o país ao impasse atual.
Seu governo enfrentou a resistência dos setores organizados da sociedade. Não foi capaz de debelar a crise que empobrece a Venezuela há anos, o que rapidamente desmanchou-lhe a popularidade. Teve de se apoiar em forças paralegais e nos "círculos bolivarianos", recrutados na arraia-miúda de Caracas, uma espécie de guarda pretoriana civil.
Chávez reencena um ciclo tristemente clássico na América Latina. Líder popular chega ao poder em amplo e espasmódico movimento de massas. Promete mudanças, mas não dispõe de forças articuladas que sustentem seu programa. Tenta romper os limites da democracia representativa como forma de se agarrar ao poder. Faz-se ditador ou é deposto.
Caso o resultado das pesquisas se mantenha até as urnas, um eventual governo Lula terá a oportunidade de superar esse ciclo, seja porque desta vez existe um partido consistente a respaldar a aventura, seja porque a conjuntura dificílima que está emergindo vai forçá-lo a negociar e a manter, enquanto possível, um leque de apoios de cunho transpartidário.
Se a comparação com Chávez vale mais como contrapropaganda, outras aproximações que se fazem, como entre a personagem de Lula e as de Mandela ou do polonês Lech Walesa, são igualmente publicitárias (nesse caso, a favor) e ainda mais sem cabimento. De novo, o traço em comum é simbolizar amplo protesto social e só.
Walesa era um sindicalista católico de direita que terminou por fazer um governo desastroso, sucedido pelos ex-comunistas. Mandela fez um governo de conciliação histórica, mas revelou-se dirigente dócil em relação aos Estados Unidos e foi quem introduziu, na África do Sul, o pacote que os petistas chamam -chamavam?- de "neoliberal".


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.

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