São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

O dólar e as rosas

RIO DE JANEIRO - O presidente da República e sua equipe econômica estão reclamando daquilo que chamam de especulação. Entenda-se por especulação a norma existente em qualquer mercado que visa ao lucro maior e mais rápido. É uma das leis irrevogáveis, como a da gravidade e a da própria globalização, sob as quais somos obrigados a viver.
O que não chega a ser lei -e dispensa a obrigatoriedade- é a incoerência do atual governo, que também especulou com o dólar no início do Plano Real, elegendo o atual presidente, alterando a Constituição num dos artigos mais pétreos e reelegendo o especulador que fazia o país acreditar na especulação mais cretina de nossa história econômica: a de que o real valia um dólar.
O proveito da especulação, tanto num caso como no outro, foi o lucro maior e mais rápido. Os especuladores de agora podem operar com o dólar a R$ 4 e, no espaço de uma noite -ao contrário das rosas de Malherbe, que viviam o espaço de uma manhã-, viverem uma fortuna.
Mas os especuladores de ontem também tiveram lucro maior e mais rápido, insistindo radicalmente na paridade do real com o dólar. Arrebentaram com o mercado de trabalho, sucatearam empresas, mas se mantiveram no poder por oito anos.
Quando vim ao mundo, em distante ano, já encontrei dois lugares-comuns que prometi repudiar, mas, volta e meia, escorrego em suas facilidades. Um deles é o do roto e do esfarrapado. Em matéria de especulação, tanto o governo como os aproveitadores da alta do dólar funcionam como rotos e esfarrapados, embora não sejam nem uma coisa nem outra.
O outro lugar-comum são as rosas de Malherbe. Fui educado num ambiente em que, invariavelmente, um professor falava nas tais rosas. Tomei implicância com elas -mas delas não me livro, até mesmo quando estou falando de coisas nada poéticas, como especulação, dólar e governo de FHC.


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