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CARLOS HEITOR CONY
Os grandes cabotinos
RIO DE JANEIRO - Há tempos só
tenho lido biografias. Não é nada,
não é nada, cada uma vale por um
romance no sentido comum da palavra, ou seja, pega a vida do berço
ao túmulo, descreve suas glórias e
misérias e, ao mesmo tempo. detalha o painel humano em que viveu.
Donde: os personagens são vários, a
comparsaria é divertida, as tramas
paralelas muitas vezes melhores do
que a principal. E o que tenho lido
não é mole: Disraeli, Proust, Caruso, Mahler -poderia encher o resto
da crônica mencionando apenas os
nomes dos muitos biografados sobre os quais tenho lido.
Depois de um fim de semana em
que devorei 850 páginas de uma
biografia de James Joyce, pensei
em certas manias que alguns deles
cultivavam. Cito quatro, bem diferentes em origem, estilo e temperamento: o português Eça de Queirós,
o francês Proust, o irlandês Joyce e
o brasileiro Nelson Rodrigues. Evidentemente, eles deixaram uma
obra literária mais do que respeitável, não foram ricos, atravessaram
dificuldades de saúde e de bolso,
eram gênios.
No entanto, como eram parecidos no pressionar amigos e colegas
para se promover. Até aí, pouca novidade, muita gente precisa ocupar
as fachadas para brilhar. O Evangelho diz que não se coloca o candeeiro dentro da arca, mas no teto, para
que a luz brilhe e ilumine. A aproximação que faço entre eles vai além
da necessidade de mídia: não poucas vezes, eles próprios escreviam
notas, resenhas e até críticas inteiras sobre suas obras e arranjavam
amigos que as assinassem e outros
que as publicassem.
Chegavam a inventar adversários
com os quais pudessem duelar ou
serem defendidos por amigos. Faziam de tudo para não deixar a peteca da glória cair. Se isso aconteceu
com alguns gênios de nosso tempo,
o que não acontece por aí, na planície da mediocridade humana?
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