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FERNANDO RODRIGUES
Hipocrisia contra hipocrisia
BRASÍLIA - Lula e Dilma estão em
campanha eleitoral aberta. Numa
caravana de três dias pelo interior
do país, esbaldaram-se em comícios
e posando para fotos. Um avião foi
colocado à disposição de jornalistas. É escrachado o caráter eleitoreiro da "vistoria" da transposição
do rio São Francisco.
Em Brasília, a oposição anunciou
a intenção de entrar na Justiça. Demandará uma punição contra a
"campanha eleitoral antecipada".
Faz parte do jogo. Está na lei.
Essa devoção postiça à ética e aos
bons costumes da oposição já foi
um dia do PT. O jogo se inverte conforme há alternância no poder.
Quando FHC fez a campanha em
comemoração aos oito anos do Plano Real, em 2002, o PT usou o mesmo argumento hoje apropriado pelo PSDB e pelo DEM. Esse intercâmbio de posições não é apenas
um campeonato mundial de hipocrisia. Trata-se de um sintoma explícito da obsolescência do modelo
político adotado no Brasil.
Para resumir, a lei obriga os políticos a mentirem nos três anos e
meio antes da eleição. Precisam negar interesse em disputar cargos
públicos. Quando faltam seis meses
para o pleito, à meia-noite, opera-se
um milagre patético. Milhares de
políticos passam a assumir publicamente suas candidaturas.
Essa regra só serve para favorecer
os espetáculos eleitorais disfarçados, como os protagonizados por
Lula e Dilma pescando no barranco
do rio São Francisco. É legítimo um
presidente, governador ou prefeito
desejar se reeleger ou influir na
eleição de seu sucessor. Nada deveria impedir o interessado de fazer
campanha fora do expediente de
trabalho. Ao se assumir candidato à
noite, haveria algum constrangimento extra para certos fingimentos adotados durante o dia.
Mas essa norma transparente
não interessa a quase ninguém. É
mais conveniente na política o jogo
da hipocrisia. Quem sofre críticas
hoje poderá atacar amanhã.
frodriguesbsb@uol.com.br
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