São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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PT COM JUROS

Os sinais emitidos pelo PT ao longo de toda a campanha eleitoral, reafirmando que Lula manteria compromissos com a responsabilidade fiscal e financeira, ganharam um reforço que, se não é definitivo, ao menos é emblemático.
O coordenador da equipe de transição do novo governo, Antônio Palocci Filho, afirmou que reduzir os juros é uma decisão que não se toma por "ato de vontade".
A declaração é a primeira resposta mais firme e clara às expectativas de que o novo governo estaria voltado aos anseios do "Brasil consumidor" e do "Brasil produtivo".
Como se não bastasse, Palocci saiu em defesa da atual política econômica, pois "não se muda a política econômica jogando fora o que está feito" já que "o processo econômico é muito delicado, não podemos abandonar instrumentos".
Nada há de argumentação técnica ou racionalidade econômica nessas afirmações, apenas uma retórica que mal disfarça a adesão à crença conservadora de que tudo deve continuar como está para que a situação não piore ainda mais.
Rapidamente o PT se converte de crítico impiedoso da política e do modelo econômico em mero gestor de algo que, por razões mal esclarecidas, não pode ser modificado. O coordenador da equipe de transição nem sequer se dá ao trabalho de formular uma estratégia. Parece uma transição rumo ao mesmo.
É fato que esse tipo de comportamento em políticos de esquerda que chegam ao poder não é uma novidade na história contemporânea. O PT, ao que parece, não será exceção.
Ao mimetizar o discurso conservador, Palocci produz algo pior que o original. Nos últimos anos, a redução dos juros foi adiada sempre em nome de alguma justificativa. Num momento, dependia de reformas econômicas. Em outro, era invocado o ajuste fiscal. Em horas de aperto cambial, a queda nas taxas dependeria da obtenção de expressivos superávits no comércio exterior.
Como pano de fundo, sempre pairou a tese de que a inflação é traiçoeira. Ou seja, somente se as taxas inflacionárias ficassem baixas por muitos anos seria possível reduzir as taxas de juros. Reformas ocorreram, o ajuste fiscal foi significativo, o país voltou a gerar megassuperávits no comércio exterior e a inflação, mesmo depois de choques cambiais, foi contida ao custo de contração econômica e desindexação de salários.
Mas as taxas de juros foram mantidas em níveis cronicamente estratosféricos. Agora Palocci simplesmente reitera, de modo genérico, senão tautológico, que "ou se criam condições para baixar os juros ou eles não podem ser baixados".
Mais do mesmo, essa fórmula resume o que começa a se delinear como a política econômica de um governo eleito em nome da mudança.
As frustrações poderão surgir com velocidade e intensidade comparáveis à da adesão aparentemente irrestrita do PT aos dogmas do pensamento econômico conservador.



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