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NELSON MOTTA
Gênios ou bestas?
RIO DE JANEIRO - Em plena ditadura do general Emílio Garrastazu Médici, sob rígida censura, o
Brasil um dia acordou sem acreditar no que ouvia: Chico Buarque
cantando "Apesar de você" no rádio, debochando do ditador e de seu
governo com furiosa ironia, lavando a alma do país amordaçado. Alguns dias depois, quando já era um
sucesso nacional, a música foi proibida, a gravadora foi invadida e os
discos foram quebrados.
Mas a pergunta continua no ar: o
censor que liberou a música de Chico -acreditando que era sobre uma
mulher brava e mandona, como
disse o compositor- era um idiota,
um fã ou um patriota?
Já no inicio da redemocratização,
Lulu Santos apresentou seu primeiro disco a uma gravadora. O diretor gostou da música, mas não do
músico: "Isso não é nome de cantor
pop, vamos lançar com seu nome de
batismo, que é espetacular: Luís
Maurício!". Claro, o disco foi um
fracasso retumbante, e só com seu
"nome de guerra" Lulu estourou
para o sucesso. Mas ninguém sabe
que fim teve aquele gênio (e besta)
do marketing que acertou na música e errou nas letras. Talvez o mesmo do censor de "Apesar de você".
Agora junta-se a eles o genial (ou
bestial) burocrata que teve a idéia
de dar, com dinheiro público, luxuosas maletas de couro, com fechos e segredos invioláveis, aos deputados. Foi pior -ou melhor!-
que distribuir cordas, de couro e de
grife, em casas de enforcados. Seria
ele uma besta do puxa-saquismo
oficial e do desperdício de dinheiro
alheio ou um gênio da mais fina, ou
grossa, ironia?
Mas, mesmo assim, foi tímido: a
maioria das excelências certamente preferiria malas, ainda que de
plástico, mas cheias.
O presidente Aldo Rebelo cancelou a piada, mas eles ainda podem
usar a verba para comprar cofres de
última geração.
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