São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ SARNEY

Anistia e os ossos de d. Pedro

A ANISTIA na história brasileira foi dada muitas vezes por graça dos reis, mas é com a Independência que toma forma constitucional, na Carta de 1824.
No Maranhão, quando houve a rebelião contra a Companhia do Comércio do Maranhão e Grão-Pará, Gomes Freire de Andrade, que para lá fora mandado para debelar a Revolta (1684), concede anistia aos revoltados, não sem antes mandar enforcar Bequimão, herói precursor de nosso desejo de independência.
Rui Barbosa esteve sempre envolvido com as anistias das revoltas contra a República. Ele defendia sempre a tese de que anistia era perdão, esquecimento, o "generalis abolitio". Há um debate seu com Gomes de Castro em que ele fixa bem o sentido de que anistiar é esquecer, é perdão. Não é um gesto jurídico, mas uma manifestação política.
Em relação a 1964, recordo-me que quem primeiro tratou da necessidade da anistia foi Marcos Freire, ainda no calor mais alto do movimento militar. Ele, espertamente, valeu-se do assunto, lembrando a Confederação do Equador, para falar da anistia como tradição nacional, da qual foi excluído frei Caneca, enforcado. Século e meio depois, quando os ossos de dom Pedro 1º passaram em Pernambuco (1972), houve um protesto dos intelectuais, e os boêmios fizeram-lhe uma visita no Palácio das Princesas, onde o caixão estava, considerando-o "ossos non grata" na cidade do Recife.
Foi no governo Figueiredo que o assunto amadureceu. Ele mandou uma lei que foi além do que pensava a oposição que pudesse ser feito. Mas não era completa. Ela isentava "os condenados pela Justiça Militar, em razão de atos de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal". No meu governo (novembro de 1985), a anistia completou-se quando abolimos esse dispositivo.
A partir de então, não haveria mais presos políticos no Brasil e concluía-se um ciclo histórico. A anistia, como não poderia deixar de ser, era ampla, atingindo os dois lados envolvidos na luta. Com essa interpretação, o ministro Petrônio Portella, que foi quem negociou o texto, conseguiu a aprovação dos militares e, portanto, sua transformação em lei.
Caxias, com o título de "pacificador", sempre teve a anistia em sua mão, nas várias guerras que enfrentou. Na Balaiada, nos Farrapos, na Sabinada. Portanto, é necessário um esforço nacional para, de uma vez por todas, sepultarmos esses fatos no silêncio da história.
Não remexamos esses infernos, porque não é bom para o Brasil. Essa conduta nos distingue dos nossos vizinhos e, assim, o Brasil é uma sociedade reconciliada.


jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY
escreve às sextas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Nelson Motta: Gênios ou bestas?
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.