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JOSÉ SARNEY
Anistia e os ossos de d. Pedro
A ANISTIA na história brasileira foi dada muitas vezes
por graça dos reis, mas é
com a Independência que toma
forma constitucional, na Carta de
1824.
No Maranhão, quando houve a
rebelião contra a Companhia do
Comércio do Maranhão e Grão-Pará, Gomes Freire de Andrade, que
para lá fora mandado para debelar
a Revolta (1684), concede anistia
aos revoltados, não sem antes
mandar enforcar Bequimão, herói
precursor de nosso desejo de independência.
Rui Barbosa esteve sempre envolvido com as anistias das revoltas
contra a República. Ele defendia
sempre a tese de que anistia era
perdão, esquecimento, o "generalis
abolitio". Há um debate seu com
Gomes de Castro em que ele fixa
bem o sentido de que anistiar é esquecer, é perdão. Não é um gesto
jurídico, mas uma manifestação
política.
Em relação a 1964, recordo-me
que quem primeiro tratou da necessidade da anistia foi Marcos
Freire, ainda no calor mais alto do
movimento militar. Ele, espertamente, valeu-se do assunto, lembrando a Confederação do Equador, para falar da anistia como tradição nacional, da qual foi excluído
frei Caneca, enforcado. Século e
meio depois, quando os ossos de
dom Pedro 1º passaram em Pernambuco (1972), houve um protesto dos intelectuais, e os boêmios fizeram-lhe uma visita no Palácio
das Princesas, onde o caixão estava, considerando-o "ossos non grata" na cidade do Recife.
Foi no governo Figueiredo que o
assunto amadureceu. Ele mandou
uma lei que foi além do que pensava a oposição que pudesse ser feito.
Mas não era completa. Ela isentava
"os condenados pela Justiça Militar, em razão de atos de terrorismo,
assalto, seqüestro e atentado pessoal". No meu governo (novembro
de 1985), a anistia completou-se
quando abolimos esse dispositivo.
A partir de então, não haveria mais
presos políticos no Brasil e concluía-se um ciclo histórico. A anistia, como não poderia deixar de ser,
era ampla, atingindo os dois lados
envolvidos na luta. Com essa interpretação, o ministro Petrônio Portella, que foi quem negociou o texto, conseguiu a aprovação dos militares e, portanto, sua transformação em lei.
Caxias, com o título de "pacificador", sempre teve a anistia em sua
mão, nas várias guerras que enfrentou. Na Balaiada, nos Farrapos, na Sabinada. Portanto, é necessário um esforço nacional para,
de uma vez por todas, sepultarmos
esses fatos no silêncio da história.
Não remexamos esses infernos,
porque não é bom para o Brasil. Essa conduta nos distingue dos nossos vizinhos e, assim, o Brasil é
uma sociedade reconciliada.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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