São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2006

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Abaixo o lixo visual

ALEXANDRE WOLLNER

Vamos discutir esse assunto para o bem da cidade como um todo, e não só para um segmento. Ou segmentos em separado

INCRÍVEL, logo no meu café da manhã, leio um artigo de meu amigo de décadas, o publicitário Francesc Petit, "Viva a poluição visual", publicado nesta Folha no dia 9 de novembro de 2006 (primórdios do século 21). Enfatizo a data pela necessidade de diferenciar do teor do artigo do meu amigo, que parece ter sido escrito nos séculos 19 e 20.
Primeiro: a atividade publicitária acompanha a evolução criativa, tecnológica e científica universal e vem exigindo uma linguagem mais criativa, usando mídias contemporâneas adequadas para uma veiculação tecnicamente mais evoluída, respeitando a integração com a comunidade sem agredi-la.
Se, no século 19, a litografia, como diz o meu amigo, surge permitindo reproduzir cartazes, é porque, nessa época, era tecnologicamente viável apenas esse meio. Não existia, além dos jornais e revistas, outras possibilidades. Mais tarde, no princípio do século 20, vêm o rádio e, logo em seguida, o cinema. Depois, na segunda metade, a informática, a TV.
Segundo: os exemplos de cartazes de cartazistas franceses, suíços, americanos e alemães (nenhum brasileiro além do articulista?) que Petit menciona, em sua maioria, tinham finalidades culturais, eram executados por artistas renomados e eram colocados, respeitando o ambiente urbano, para serem vistos por pedestres, carroceiros com suas mulas e veículos com pouca mobilidade nas cidades. Cartazes culturais afixados em muros urbanos como "pissoirs redondos", em teatros, cinemas, museus e estações de metrô, muito bem posicionados e sem encher o saco de qualquer cidadão por nenhum tipo de intervenção agressiva urbana. Isso já no século 19.
Terceiro: se o articulista visitar Paris hoje, início do século 21, também dando um pulo (se tiver tempo) em Nova York, Londres, Berlim, Tóquio, Zurique, Buenos Aires e até no Rio de Janeiro, verá que a poluição visual está restrita a um centro especifico (Times Square, por exemplo). Não está na cidade como um todo! Isso faz parte da legislação urbana dessas cidades -é oficial e ninguém chia.
Toda cidade tem de ter um plano diretor feito pela comunidade como um todo e de comum acordo, não só pelos publicitários e locatários de espaços urbanos.
São Paulo é horrível arquitetônica e urbanisticamente falando, e os publicitários usam o argumento de que a cidade precisa ser escondida visualmente de seus habitantes. Nesses termos, até estou de acordo com ele. Mas, aí, precisaremos conversar com os urbanistas e os arquitetos responsáveis pelos projetos de apartamentos e centros de moda de luxo no padrão do estilo do "classicismo francês", jardins como a praça Roosevelt (quem tem coragem de entrar nela?), praça da Sé, praça da República etc.
São Paulo tem de ser visível como é realmente. Não temos de escondê-la.
Talvez a comunidade fique ciente e vamos discutir como melhorar.
Quanto ao outdoor, percebemos que a função foi totalmente desvirtuada. Petit fala com conhecimento de causa quando diz que o cartaz deve ser explicativo no tempo máximo de três segundos (telegráfico) para ser percebido e memorizado. Mas de que cartazes ele está falando? Dos que estão aí nas ruas e avenidas?
Você, caro leitor, ontem, quando voltou do escritório para casa, de carro, atravessando várias ruas, praças e avenidas, me diga: Qual cartaz você memorizou? Anotou o número de telefone, o e-mail, o site, o número de prestações e as inúmeras qualidades e informações?
Nesse trânsito caótico, memorizar, quanto mais anotar, não dá. A maioria dos cartazes atualmente veiculados praticamente são executados sem preocupações tecnológicas, inclusive por questões econômicas, por quase todos os escritórios de publicidade, como se fossem um grande anúncio de varejo, ampliado aleatoriamente, colocado no contexto urbano em qualquer suporte viável e de maneira inadequada.
A produção criativa de cartazes urbanos é necessária pelos valores culturais, sociais e econômicos, mas eles devem ser usados de maneira ética e responsável, integrada respeitosamente ao contexto que envolve a comunidade, sem agredi-la. Precisamos cultivar e administrar essa cultura e reconhecer que profissionais poderão enfrentar esse problema de maneira satisfatória.
Vamos discutir esse assunto para o bem da cidade como um todo, e não só para um segmento. Ou segmentos em separado.


ALEXANDRE WOLLNER, 78, designer, é sócio-proprietário da Wollnerdesigno.

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