São Paulo, segunda-feira, 17 de novembro de 2008

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Botucatu vai à guerra

SÃO PAULO - Depois de invadir a delegacia, arrombar o cofre, roubar de volta a droga apreendida, surrupiar armas pesadas e botar fogo em documentos sobre o tráfico, os bandidos, na saída, ainda dinamitaram a casa, que veio abaixo. Aconteceu na última segunda, na pacata Botucatu, no interior paulista.
Chamar isso de terrorismo talvez provoque algum ruído, porque evoca coisas distintas das que vemos por aqui. É difícil, no entanto, não perceber elementos terroristas neste atentado ao Estado. Explodimos vocês -eis o recado.
Há poucas semanas o diretor de Bangu 3 foi assassinado enquanto dirigia seu carro na av. Brasil, às oito da manhã. Levou mais de 30 tiros. Já é quase uma tradição: nos últimos oito anos, seis diretores de presídios foram mortos no Rio. O recado também é inequívoco: nós exterminamos vocês.
Recorde-se aquela noite de maio de 2006, quando São Paulo, tomada pelo pânico, se auto-infligiu um histórico toque de recolher. Nas ruas desertas, só o fantasma do PCC.
Tome-se, ainda, a imagem do traficante no cume do morro, rosto coberto, braços para o alto, exibindo a metranca como troféu. Já nos é tão familiar que virou parte da paisagem, coisa nossa, muito nossa, como Noel Rosa e o Cristo Redentor.
Durante a campanha, o Exército ocupou favelas do Rio para proteger o eleitor de traficantes e milícias. A presença excepcional do Estado como garantia, ainda que ilusória, da liberdade do voto era uma forma gritante de confissão da omissão rotineira e da impotência crônica desse mesmo Estado diante do avanço do crime organizado sobre populações à mercê da sua lógica.
Os mais escaldados verão nisso tudo amostras do que já foi batizado de guerra civil molecular. Quem pode se fecha em carros blindados ou bunkers residenciais, condomínios com meganha privada, câmeras, cerca elétrica, cães, o diabo. A verdade é que nos adaptamos e reagimos a essa guerra particular com relativa indiferença. Não deixa de ser um sintoma do elitismo do país, ainda que em versão degradada.


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