São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Mais do que nunca, escutar o povo

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

Os presidentes do Senado e da Câmara, diante do clamor popular, podem tomar a iniciativa de rever a decisão de aumentar os salários

NÓS, SENADORES e deputados federais, somos os representantes do povo de cada um dos Estados e do Distrito Federal. Temos a atribuição constitucional de legislar, fiscalizar os atos do Executivo e expressar os sentimentos da população de tristeza, alegria, angústia, felicidade, indignação, aflição. Os congressistas mais sintonizados com os anseios do cidadão são normalmente os mais bem votados nas eleições.
Há momentos durante o mandato em que precisamos tomar decisões de grande responsabilidade, que correspondam às expectativas daqueles que nos confiaram seus votos. Entre essas está a de definir, a cada período legislativo, a remuneração dos parlamentares, bem como dos serviços de que poderá dispor para auxiliar o exercício de seus mandatos. Isso representa despesas com funcionários de carreira e de confiança, com cotas de telefone, correio, transporte de avião ou de deslocamento por terra, internet, entre outras.
Na última quinta-feira, as Mesas do Senado e da Câmara dos Deputados tomaram a decisão de aumentar o salário dos senadores e deputados federais para R$ 24.500 por mês, correspondendo a um reajuste de 91% em relação ao salário atual, de R$ 12.700.
Na manhã daquele mesmo dia, transmiti aos presidentes Renan Calheiros (PMDB-AL) e Aldo Rebelo (PC do B-SP), do Senado e da Câmara, respectivamente, e à líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), que seria de bom senso um reajuste que correspondesse ao valor da inflação de janeiro de 2003 a janeiro de 2007, da ordem de 28,5%, significando uma remuneração de R$ 16.500. Creio que essa medida seria compreendida pela população.
A decisão tomada pelas Mesas da Câmara e do Senado provocou uma fortíssima reação da opinião pública.
Acredito que todos os parlamentares, assim como eu, tenham recebido uma enxurrada de mensagens -por correio eletrônico, telefone, cartas e até pessoalmente- de protesto diante do aumento considerado abusivo, tendo em conta o que se passa com a remuneração do conjunto da população brasileira.
Ainda que o decreto legislativo nš 444, de 2002, disponha que a remuneração dos membros do Congresso Nacional "corresponderá à maior remuneração percebida, a qualquer título, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal" e que as "Mesas do Senado e da Câmara dos Deputados regularão, em ato conjunto, a aplicação" do respectivo decreto legislativo, os artigos 48 e 52 da Constituição rezam, com muita clareza, que a própria remuneração dos parlamentares deverá ser objeto de iniciativa de lei, o que significa ser aprovada pelo conjunto dos membros de ambas as Casas.
É bom lembrar que, muito embora o referido decreto mencione que a remuneração dos membros do Congresso Nacional corresponderá à dos ministros do Supremo Tribunal Federal, isso não precisa necessariamente ocorrer, tanto é que assim não aconteceu no período desde 2002, exatamente porque os congressistas avaliaram que caminhar celeremente naquela direção iria provocar uma reação muito forte da opinião pública.
Mais adequado será não haver ajustes nos salários dos ministros do STF até que se chegue à equiparação dos vencimentos dos postos mais altos dos três Poderes, o que poderá ocorrer no momento em que as finanças públicas estiverem melhor e houver a compreensão de que os níveis de remuneração estejam mais de acordo com o que acontece com o conjunto da sociedade e as responsabilidades dos respectivos cargos.
Avalio que os presidentes do Senado e da Câmara, diante do clamor popular, podem perfeitamente tomar a iniciativa de rever a decisão anunciada. É importante que a população e todos os senadores e deputados sejam ouvidos, e não apenas as lideranças.
Será bom para o país que todos possam dialogar e, principalmente, ouvir os seus representados, para que, nesta próxima semana, seja encontrada uma solução que reflita melhor a vontade de todos os brasileiros. E será muito melhor para a própria tranqüilidade da Mesa Diretora que venha a submeter a sua decisão ao plenário do Congresso Nacional.


EDUARDO MATARAZZO SUPLICY, 65, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), professor da Eaesp-FGV, é senador da República pelo PT-SP. É autor do livro "Renda de Cidadania - a Saída é Pela Porta", entre outras obras.

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