São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2006

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Democratização do acesso à arte

MANOEL FRANCISCO PIRES DA COSTA

Temos desenvolvido políticas no sentido de aproximar cada vez mais a Bienal das camadas menos favorecidas da população

A DISPUTA por recursos para a realização de mostras de arte com qualidade e amplo alcance impõe ao administrador de instituição cultural um grau cada vez mais elevado de agilidade e transparência.
É preciso estabelecer novos níveis de entendimento entre iniciativa privada, instituições culturais e governo. Os investimentos em cultura e educação são fundamentais em uma sociedade como a nossa, marcada por profundas desigualdades.
Hoje, os empresários, de uma maneira geral, estão mais preocupados com a qualidade do apoio e dos serviços que prestam à sociedade e menos com sua visibilidade. Do lado do Estado, que auxilia na manutenção de inúmeras instituições culturais, nunca foi tão verdadeira a máxima de que governar é administrar escassez.
O país possui um aparato cultural de primeira grandeza, instituições reconhecidas, nomes construídos a partir dos serviços prestados à população. A iniciativa privada tem adotado medidas louváveis no sentido de investir em ações educativas e culturais. Como os recursos escoam para essas atividades? As empresas criam departamentos, em muitos casos, organizações, ou os repassam a ONGs.
As iniciativas do setor privado são bem-vindas e poderiam ter excelentes resultados e menor custo se fossem realizadas por meio de parcerias com instituições já existentes, que, assim, não correriam risco de atrofia, mas de fortalecimento por meio do desenvolvimento consistente e auto-sustentável ao longo do tempo.
Do ponto de vista do Estado, um foco melhor nas leis de incentivo poderia auxiliar numa aproximação maior e mais equilibrada entre as empresas privadas e nossas instituições culturais. A estas caberia maior abertura e transparência de suas estruturas.
O momento histórico, conforme demonstram os dados de institutos como o IBGE, aponta para a ascensão das camadas menos privilegiadas da população. Esse avanço pode ocorrer pela ponta econômica, mas não se realiza sem cultura.
Há quatro anos, a Fundação Bienal, com o apoio da diretoria e do conselho da instituição, vem adotando medidas no sentido de buscar uma situação diferenciada. Tem tido agilidade, competência e transparência. Do ponto de vista administrativo, ela está profissionalizada, e seu modelo de gestão é austero.
Quanto à posição da Bienal como difusora de cultura, temos desenvolvido políticas no sentido de aproximá-la cada vez mais das camadas menos favorecidas da população. Em linha com o Ministério da Cultura, adotamos programas de democratização do acesso à arte e ao conhecimento. Em 2003, com o Instituto de Arquitetos do Brasil, realizamos uma bienal voltada para a população. Cresceu o número de visitantes, boa parte, de não-arquitetos -um de nossos objetivos-, e, por meio de palestra internacional e de concurso, realizado com a iniciativa privada, revelamos valores da arquitetura nacional.
Em 2004, quando da preparação da 26ª Bienal de São Paulo, aprofundamos esse conceito e tornamos a entrada gratuita. A visitação chegou a mais de 900 mil pessoas. Durante a exposição, em parceria com a Secretaria do Trabalho, realizamos oficinas e capacitamos cerca de 50 jovens na arte da montagem de exposições.
Neste ano, resolvemos avançar mais. Partimos para a escolha de um projeto, e não de nomes, para a curadoria. Abri mão do direito estatutário de o presidente definir o nome do curador. Foi instituída uma comissão, ampliada com a participação de personalidades internacionais, que, após avaliar as propostas, escolheu o projeto da Lisette Lagnado, "Como Viver Junto". Nossa curadora estruturou a mostra com a ajuda de co-curadores e com os profissionais da Bienal.
A 27ª Bienal de São Paulo, que termina hoje, foi iniciada em janeiro, com a realização de seminários internacionais e, paralelamente, com o treinamento dos monitores, fruto de uma parceria de sucesso com a Faap.
Em linha com nossa política de democratizar o acesso à arte e ao conhecimento, a Fundação Bienal foi buscar Denise Grinspum, que criou um projeto educacional voltado para duas frentes: a escolar e a de resgate da cidadania e inclusão social. Resultado: agendamento de cerca de 100 mil visitas de estudantes das redes pública e privada.
No plano escolar, treinamos professores e produzimos material didático que foi distribuído para os educadores. No plano da inclusão social, dividimos a cidade em áreas e realizamos trabalhos com lideranças comunitárias. Os moradores foram preparados pelos seus iguais para a visita que fizeram à mostra.
Um sucesso para a Bienal, ainda aquém das necessidades do país, que são muito grandes. Mas um grande feito da nossa instituição.


MANOEL FRANCISCO PIRES DA COSTA, 68, é presidente da Fundação Bienal de São Paulo.

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