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Bioprotecionismo
Incoerência comercial e ambiental de UE e EUA não é desculpa para Brasil ignorar deficiências ecológicas e sanitárias
A MELHOR expressão das
ambigüidades de países ricos diante daqueles que se afirmam como potências agrícolas, como o
Brasil, foi oferecida em Bali.
Num dos muitos diálogos de
surdos sobre mudança climática
travados na ilha da Indonésia,
EUA e União Européia apresentaram uma lista de produtos benéficos para o ambiente, como
equipamentos de energia solar e
eólica, cujas tarifas de importação deveriam ser rebaixadas. O
chanceler brasileiro, Celso Amorim, protestou, com razão, contra a não inclusão dos biocombustíveis (álcool e biodiesel).
Biocombustíveis não são panacéia contra o aquecimento global, mas podem dar sua contribuição. Seu maior potencial está
em países tropicais como o Brasil, que tem agroindústria menos
lesiva ao ambiente, com o competitivo álcool de cana. Não era
de esperar que UE e EUA, que
gravam o álcool brasileiro com
até 63% de taxa, baixassem a
guarda na lista de proteção a seus
ineficientes biocombustíveis.
As duas potências podem parecer antípodas da negociação sobre clima, mas convergem no
que interessa. Ao mesmo tempo
em que se arvora em vanguarda
ecológica, a UE prepara novo
aperto nas restrições a produtos
brasileiros. Segundo o jornal
"Valor", os europeus devem
anunciar regras de "sustentabilidade" para biocombustíveis que
barrariam, por exemplo, o álcool
produzido com plantio de cana
em áreas de floresta.
Embora o caráter protecionista da medida seja óbvio, seria
ocioso bradar contra ela. Requisitos socioambientais constituem tendência irreversível no
mercado internacional de commodities. Combatê-la poria o
país na posição insustentável de
ter de defender a destruição de
ecossistemas em nome da produção ou, pior, em nome de condições de trabalho degradantes.
Governo e empresários já se
curvaram ao imperativo. Trabalham em instrumentos racionais
de gestão, como um zoneamento
agroeconômico que exclua o
plantio de cana da Amazônia ou
um sistema de certificação social
e ambiental. Esse é o caminho:
em lugar de lamuriar-se, tomar a
iniciativa e fazer a coisa certa.
Algo de similar pode ser dito de
outra providência bioprotecionista em preparo na Europa,
agora contra a carne bovina nacional, como noticiou esta Folha
na sexta-feira. Produtores irlandeses e britânicos encaminham-se para obter da UE algum endurecimento, ainda que não talvez
a desejada restrição total. Mais
provável é que se aumentem as
exigências para credenciar, uma
a uma, as empresas autorizadas
a exportar para a UE.
A motivação é protecionista,
claro, mas também é fato que o
Brasil ainda se encontra distante
de um bom sistema de controle
sanitário do rebanho. Aí está a
ameaça perene da febre aftosa
para provar. É no seu próprio interesse de potência agrícola que
o país tem de enfrentar e resolver essas deficiências.
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